Sunday, July 14, 2002

Notas sobre a 4ª e 5ª Aulas de Computação e Ciências Cognitivas
Tema: "O papel cognitivo da consciência"


I - Sumário

O estudo dos processos cerebrais tem vindo a ter dois principais tipos de fontes de informação distintas. Através do estudo de pacientes com lesões cerebrais a determinadas zonas é possível verificar os papéis desempenhados por essas zonas face a capacidades perdidas e determinados comportamentos fora do normal verificados nos pacientes. Contudo a estrutura adaptativa do cérebro, chegando ao ponto de utilizar células neuronais dedicadas ao processamento de um sentido de que a pessoa venha a perder (por exemplo a visão) para processar outro tipo de informação sensorial, poderá indicar um ponto de invalidação destes estudos ao alterar desta forma o objecto de estudo nesses pacientes. Outro processo, que tem vindo a ter uma evolução rápida nas últimas décadas são as técnicas de imagem cerebral. Inicialmente limitadas à medição das correntes eléctricas presentes no cérebro (através de electroencefalogramas) neste momento permitem mapas tri-dimensionais (MRI) e o estudo dinâmico de processos químicos na mente (PET e fMRI). Contudo os limites são ainda muitos, não sendo possível chegar ao detalhe do neurónio e contextualiza-lo espacial e temporalmente vista a brutalidade de informação que isso representaria, não só a própria tecnologia de imagem que seria necessária.

O ponto seguinte na discussão foi a problemática de a consciência não representar apenas um estado binário e nem sequer ser algo único ao ser humano. Falou-se assim em níveis de consciência e a sua associação, numa perspectiva evolutiva, com os estímulos e desafios enfrentados e da evolução de várias camadas de consciência associadas com a evolução do sistema nervoso através das espécies.

Após a formação de estruturas multicelulares de um tamanho considerável a necessidade de um sistema de coordenação entre os seus vários processos internos originou um sistema suportado sobre o sistema de irrigação interno e que ainda hoje tem um paralelo no ser humano através da comunicação efectuada através de hormonas na corrente sanguínea. Naturalmente que este sistema é lento mas para seres não dotados de movimento isso não representa um grande problema. Contudo face à necessidade de movimento e às vantagens evolutivas daí retiradas a formação de um sistema de coordenação mais eficaz e eficiente levou aos primórdios daquilo que é o nossos sistema nervoso, este seu predecessor seria altamente orientado para a percepção sensorial e feedback. Só no momento em que a terra começou a ser povoada por animais que deixavam as águas é que a complexidade deste novo meio veio colocar novos desafios e colocar a necessidade de em paralelo com o aumento da inteligência dos sistemas nervosos já existentes viessem também a surgir níveis de consciência mais desenvolvidos que foram evoluindo. As vantagens da manutenção de uma temperatura corporal e a adaptabilidade ao meio daí surgida vieram colocar nova pressão nos mecanismos de controlo interno, muito especialmente nos mamíferos. A certo ponto da evolução nos mamíferos entram em jogo uma série de processos conscientes ligados ao próprio animal como a auto-monitorização ou a capacidade do animal se reconhecer a si próprio, apontando para um nível cognitivo que se prende com o "eu" já algo elaborado.

Falou-se do interesse no paralelo entre a filogénese e a ontogénese no ser humano. A gestação no líquido amniótico face à origem do reino animal nos mares, a aquisição gradual de níveis de consciência durante o crescimento. Durante o crescimento as ligações sinápticas vão-se formando, julgando-se que é aqui que se reflecte a aprendizagem e será em muito suportada a teoria de que o ser humano é um animal desenhado para aprender (da teoria de mente genérica talhada por processos de aprendizagem com origem no meio exterior), sendo que mais tarde o estabelecimento de novas ligações seja muito menos frequente ao mesmo tempo que a aprendizagem é também em muito dificultada.
As ideias da ligação entre a linguagem e o simbolismo aderente à nossa consciência vêm ajudar no estabelecimento da fronteira que nos separa das outras consciências animais visto a linguagem simbólica. Na nossa linguagem existem traços inventivos, de manutenção de estado (o que não acontece nas danças simbólicas abelhas as quais são facilmente explicáveis à luz de um comportamento de reacção perante um dado universo exterior com uma representação cognitiva associada) e também de auto-referência, sendo mesmo que o surgimento da linguagem é muitas vezes associado à emergência de um nível consciência cuja informação necessita de ser partilhada. Daqui partiu-se de certa forma para a exploração de uma consciência distribuída originada nesta necessidade, suportada na linguagem e mapeada nos fenómenos sociais de um caracter cognitivo por vezes bastante elevado. Apenas a existência de um mecanismo simbólico de alto nível emergente da consciência individual permite a veiculação de informação com uma representação cognitiva elevada e que por exemplo é veiculada em processos de ensino. Contudo os processos de aprendizagem não passam todos pela veículação de informação simbólica e são em muito suportados pela faceta sub-simbólica da mente humana. A nossa capacidade de aprendizagem por imitação mostra-se muitas vezes extraordinária. Sem a necessidade de uma interpretação cognitiva dos processos envolvidos no objecto de aprendizagem é-nos possível adquirir capacidades para executar tarefas complexas e só mais tarde entrar nos detalhes cognitivos das mesmas (podendo até efectuar uma adaptação do que foi aprendido ou retirar informação de mais alto nível mais difícil de se esquecer). Julgo que muita desta capacidade adere num suporte sub-simbólico comuns entre seres humanos, tal como a Gramática Universal como suporte genético da linguagem ajuda à aprendizagem da mesma outros mecanismos agem como suporte genético comum de forma a facilitar a aprendizagem por imitação.
Esta capacidade de aprendizagem por imitação é pouco frequente no reino animal apesar de estar mais associada com os mecanismos sub-simbólico da mente humana. É assim como que uma confirmação de que o que nos destingue dos outros animais não reside nas capacidades dos mecanismos simbólicos mas em toda uma extensão das capacidades, incluindo as sub-simbólicas.

Ainda no tópico da consciência distribuída num meio memético falou-se nos estudos psicoanalíticos Youngianos que se debruçaram sobre um inconsciente colectivo povoado por mitos. Pareceu-me assim apontar-se para uma abordagem do colectivo humano como uma só entidade em paralelo com a mente de um só indivíduo. Destacando assim um paralelo da necessidade evolutiva em criar na mente humana um fluxo de execução sequencial capaz de coordenar os vários módulos de processamento de informação e juntar num contexto cognitivo mais amplo e complexo com as várias instâncias de hierarquização social baseada em vários critérios (que em muitas das outras espécies animais são orientadas por uma via sexual: o macho dominante, etc.), mas que no geral pretendem coordenar um fluxo de execução social paralelo.

A condução do debate levou então a uma exposição das ideias mais significativas presentes em [DONALD] que eu exploro um pouco mais aprofundadamente na parte II.

Dessa exposição focamo-nos em ideias como a necessidade de projecção de conteúdo cognitivo presente numa consciência noutra, e daí o surgimento da comunicação, e das limitações aderentes a qualquer tipo de projecção (através de transmissão de informação), que no extremo serão limitadas pela subjectividade da experiência consciente (usualmente referenciada como qualia). Também nos centramos sobre a unicidade da mente humana que comporta a elasticidade de aptidões ao extremo de poder conjugar um conjunto de componentes da consciência naquilo que é chamado de skill mixing e de onde se permite originar inovação através da explosão combinatória de possibilidades que esta mistura trás. Na linguagem muitas destas facetas únicas da consciência humana são visíveis.

Falou-se ainda da memória como suporte essencial para a consciência, tanto a memória de curto prazo como a de médio e longo prazo, e mesmo a capacidade de troca de contexto e regresso a um contexto anterior sem ter que recorrer aos mecanismos típicos da memória de longo prazo. Donald Merlin explora a questão do endereçamento da memória mas no debate o foco foi sobre a redundância que esta demonstra, e talvez assim vários caminhos para activar a mesma memória. Por outro lado existiu alguma preocupação em focar alguma que é a problemática de localização das capacidades de memória e que tem apontado para um estudo mais profundo da constituição dos neurónios e células da glia, procurando associar a função de memória a estruturas presentes nos neurónios individuais (como os micro-tubulos) em vez de somente na rede neuronal em operação. Contudo falou-se de loops activos de memória, mas julgo que no contexto da teoria de consciência como um foco funcional no cérebro móvel e que assim permitia acesso a diferentes componentes em instantes diferentes, e que na memória representar-se-ia pelo facto de à consciência estarem apenas disponíveis as recordações associadas com a zona onde este fluxo se encontra num dado momento (de notar a fonte de não determinismo aqui presente).

Já na 5ª aula falou-se de uma influência do factor geográfico sobre a consciência. Esta ideia estará certamente ligada com a ideia de que a consciência é em muito um produto da memética. Recordo-me de ouvir falar de povos que criam que a sua consciência se localizava fisicamente não dentro do cérebro mas na zona abdominal, contudo julgo que esta corrente se referia ao povo dos Andes que mascava com frequência a folha de coca e daí usufruiria de efeitos alucinogénicos. Contudo a exploração do plano memético da consciência não deverá ser posta de parte e, tal como existem crenças de que a linguagem é em si todo um produto da memética, também a consciência o poderia ser, até como produto (ou catalisador) do simbolismo, nomeadamente de auto-referência, presente na linguagem. Ainda em relação com a linguagem é de notar a serialização típica do mecanismo e o papel de serialização atribuído à consciência. Contudo o paralelismo está presente mesmo na consciência (permitindo a execução simultânea de tarefas) e na linguagem onde existe elaboração suficiente para desenvolver conversas com algum grau de paralelismo, contudo limitado.

Apontando para a teoria dos jogos e da informação falou-se ainda de requisite vareity na perspectiva evolutiva tanto a nível das espécies como mesmo da memética. É interessante notar que a linguagem é uma ferramenta que permite a produções muito diversificadas, tal como a lógica, apresentando-se como um conjunto de ferramentas genéricas e extensíveis, capazes de suportar a requisite variety da memética.

Uma consciência capaz de efecutar manipulação da simbolos e de associação de ideias é capaz de produzir conhecimento por si. Na sua ausência desta capacidade só através da aprendizagem por falha poderia ser possível atingir esse conhecimento e estar-se-ia ainda que mais limitado pelas fontes de experimentação, limitando por completo a existência da abstracção necessária ao suporte civilizacional. Sendo assim: it seems failure is not allways the best way to learn (fazendo referência a uma citação que fiz na primeira aula). Contudo a aprendizagem por falha demonstra-se um mecanismo mais capaz de marcar fortemente o mecanismo emocional da mente. Evolutivamente este facto deve ser derivado da traição de outros indivíduos através da transmissão de factos errados - o que acontece por exemplo nos símios - e erros de inferência que podem conduzir a situações imprevistas, enquanto que algo que é marcado por uma aprendizagem por falha lida directamente com a realidade, sendo só por si um mecanismo muito limitativo e catalisador do medo.
Sem a complexidade de mecanismos de aprendizagem distintos, mantendo-se em nós os mais antigos sem perderem a sua importância, o ser humano não seria capaz de efectuar as miríade de tarefas crescentemente complexas (e a mecanização a elas adjacente que torna a sua repetição simples ou a aprendizagem por imitação que torna a utilização possível sem um domínio do detalhe). Julgo mesmo que é através dos mecanismos algo mais primitivos, sem os quais a mente humana seria demasiado lenta e frágil, que se suportam os mecanismos de aprendizagem mais recentes (existindo um feedback entre os mesmos, como por exemplo na mecanização de uma tarefa através da sua compreensão em misto com um processo de imitação) e que nos transportaram para um plano cognitivo muito mais denso, complexo e abstracto.



II - Desenvolvimento

Em termos de bibliografia julgo que assimilei as ideias chave que agora pautam o meu raciocínio no final do capítulo "Thinking Machines" [PINKER] em que a consciência é alvo de uma dissecação funcional que em muito mudou a minha forma de abordar o assunto e consequentemente mesmo a realidade social (I'm resorting to sorts of bottom-up aproaches more often in those matters).

A separação que Pinker faz para a consciência dispõe-se em três elementos. O conhecimento do próprio que está aderente a um modelo cognitivo da realidade onde se insere informação sobre o próprio indivíduo. O acesso à informação que é fruto da modularidade do cérebro onde a consciência se encontra num plano onde nem toda a informação do sistema nervoso está disponível, aliás o meio da consciência é relativamente diminuto (necessitando de utilizar a memória para completar uma espécie de buffer temporário que utiliza) e contem elementos principalmente de caracter simbólico associados a conteúdos mais detalhados dos níveis não conscientes inferiores (contudo este nível de percepção consciente é suficientemente detalhado para não nos levar a ter uma experiência demasiado abstracta da realidade). Existem contudo mecanismos de feedback em ambos os sentidos que permitem tanto processos como a aprendizagem de tarefas que inicialmente envolvem um processo consciente e são um foco de atenção para mais tarde se automatizarem passando para um plano inconsciente, como permitem a consciencialização de detalhes adjacentes ao mecanismo da visão ou notar detalhes sonoros no discurso de uma pessoa, ou mesmo até sentir a batida do coração. E a misteriosa sentience que se refere à experiência subjectiva, ao qualia no sentido da primeira pessoa, o "eu", e onde grande parte das dúvida persistem. Sendo que alguns lançam a teoria de que este terceiro elemento é apenas um sub-produto das necessidades evolutivas dos outros dois.


Merlin Donald [DONALD] adopta uma abordagem de certa forma mais clássica (digamos contida) e que se opõe a alguns dos pontos de outras teses como as que suportam a modularidade cerebral e o suporte genético resultante do processo evolutivo no que toca funções especificamente humanas como a fala. Curiosamente o caminho seguido na sua exploração está muito longe de ser pautado por alguma da obscuridade, muito pelo contrário, e não aponta simplesmente para a mente como um instrumento generalista moldado pela memética. Isto se bem que esteja mais próximo dessa visão do que daquela que a psicologia evolucionária transmite em relação ao conjunto de mecanismos oriundos da pressão evolucionária e em cujos sub-produtos estão suportados os pontos de ligação com a memética (indicando que a memética influi mais sobre mecanismos de mais alto nível do que aqueles como a linguagem que apenas sofrem a motivação memética para se revelarem, e não desenvolverem).

A exploração dos níveis de consciência entre as varias espécies animais e a sua correlação evolucionária é feita de uma forma muito envolvente. Trouxe de novo a ideia de que o ser humano não tem nenhum módulo cerebral adicional em relação aos seus antepassados e apenas é dotado de módulos cerebrais do dito 3º nível com maiores tamanhos.
A ideia de que a linguagem é apenas uma invenção humana, suportada por uma maior capacidade computacional nos níveis superiores de consciência (os quais se reflectem no próprio uso que fazemos da linguagem, por exemplo já na criança que demonstra as suas necessidades ou intencionalidade através de gestos), vai em muito contra as ideias de Steven Pinker de um suporte genético da linguagem que a torna algo exclusivamente humano e presente como uma capacidade inerente a todos os indivíduos naturalmente e cuja aprendizagem está em si presa ao suporte genético da linguagem.
Merlin apresenta os casos de que indivíduos nascidos em isolamento não demonstram qualquer capacidade para a fala e admite ainda que nesses indivíduos não exista uma representação mental simbólica elaborada (o "mentalês" mencionado por Steven Pinker).
Contudo penso que não se opõe por completo e não é inconsistente com a teoria de uma gramática universal que penso que foi inicialmente desenvolvida por Noam Chomsky. Sendo que o suporte computacional para os mecanismos que Merlin Donald considera simbólicos (defendendo também ele uma dualidade do sub-simbólico e simbólico na mente humana) será uma constante no genoma humano é natural que a convergência para mecanismos simbólicos externos tenha passos comuns em caminhos seguidos separadamente na história da humanidade.
Sendo assim a visão que se me depara face às ideias de Merlin Donald é a da mente humana não como um mecanismo de computação genérico moldado pelos memes, mas um mecanismo de computação simbólico, muito especifico e emergente (e sobretudo interactuante) do o nível sub-simbólico, e cujos produtos são naturalmente pautados por seguirem uma certa linha que os dota do determinismo necessário para a produção por sociedades independentes de mecanismos meméticos semelhantes (a linguagem e a religião entre outros).

Merlin apresenta também a teoria da consciência como um fluxo por contextos simbólicos associados a zonas cerebrais distintas, sendo esta suportada nomeadamente pela observação em doentes epilépticos que não têm ataques mas ao invés sofrem de períodos de inactividade consciente. Fiquei sem ter a certeza que era algo como António Damásio descreve e sobre o qual falo mais abaixo ou se mesmo uma perda de todo o tipo de actividade sem que mecanismos cognitivos inconscientes substituam o papel central da consciência durante estas falhas. Esta teoria é seguida de outra que veicula a ideia de um controlo electro-químico da permeabilidade à informação decrescente e controlável até às camadas cognitiva e evolutivamente mais elevadas do cérebro. Esta ideia é também resultante de experimentação e não se demostra inconsistente com a teoria de um fluxo consciente. Sendo que a consciência não é um mecanismo cognitivo permanente e nos vemos desprovidos dela em situações de sono, lesões cerebrais graves, etc. é natural que necessite de existir um mecanismo através do qual o cérebro impede a informação sensorial (processada nos níveis cognitivos inferiores) de atingir as zonas onde o fluxo de consciência iria receber essa informação. Julgo que esse processo de controlo deverá estar associado com as camadas que efectuam o processamento da informação sensorial de uma forma não consciente que podem por vezes alterar o permeabilidade desta para as camadas superiores por exemplo em situações de perigo apercebidas através deste processamento sensorial constante, existindo naturalmente também uma forte ligação com os mecanismos que implementam o metabolismo.

Como que a somar pontos para a questão da necessidade de uma forte multidisciplinarieade no assunto está a observação sobre os tipos de endereçamento que permitiram o funcionamento da memória e, apesar da comparação do autor com alguns dos sistemas mais simplistas destes processos, fica um vazio tecnológico de processos mais elaborados por explorar, que, julgo advir de um não domínio do campo da informática pelo autor. Contudo a forma como a exploração do assunto segue não deixa de ser interessante, apesar de não me ter satisfeito completamente e ter que recorrer a alguma simplificação sobre a questão da memória recordando-me das conclusões com que fiquei ao redigir o sumário da Aula 3 (a relação com a emoção como heurística no endereçamento da memória).

Contudo julgo que fica sem explorar um fio filosófico, nomeadamente a questão da subjectividade da experiência, e é desta falha que julgo saírem as conclusões, de certa forma decepcionantes, do Capítulo 5. Penso que de um esforço colectivo para, face à maior abrangência de factos possível, colocar este tipo de questões e procurar realmente respostas, é muito provável que se desenvolva (e terá vindo a desenvolver) um trabalho mais produtivo sobre a consciência em toda uma multidisciplinarieadade.


Foi assim que me debrucei também sobre [DAMASIO]. Inicialmente pareceu-me estar a observar uma redescoberta, muito bem desenhada e confirmada por situações com pacientes, da dissecação que tinha já lido em [PINKER].

Um paciente de Damásio (epiléptico) perdeu durante alguns momentos um nível superior de consciência (extended consciousness), perdendo a sua expressão facial (entre outras manifestações usuais de traços de personalidade, estados emotivos e emoções), os desejos, sentience (não encontrei tradução para este termo mas está generalizado na bibliografia sobre o tema portanto deverá existir uma tradução adequada), mas mantendo capacidade de agir no meio que o rodeava (por exemplo dirigiu-se para a porta, tendo contudo antes agido sobre objectos que não existiam sobre a mesa) e de se movimentar (nível de consciência mais abaixo - core consciousness). Transportam-se assim as emoções para um plano de consciência superior ao da acção, junto com o planeamento, a capacidade de utilizar informação do passado, e o estado emocional (mood, aqui em oposição às emoções momentâneas associadas à reacção), alterando também o foco de atenção sobre o presente (parte da selecção para processamento de entre a informação disponível num dado cenário - uma espécie de pré-processamento).
Julgava que esta capacidade de selecção de informação e pré-processamento era toda efectuada em camadas mais baixas, por exemplo como as que no processo da visão distinguem as fronteiras de um objecto de uma forma inconsciente (ver desenvolvimento na Aula 3). Contudo segundo Damásio parte deste pré-processamento (parece-me que o da visão não, estando de facto num nível mais baixo, e sendo assim Damásio estará a falar do foco de atenção associado a apenas um fluxo de execução que evita conflitos entre módulos cerebrais - a consciência) estará associado ao consciente. Contudo o seu paciente foi capaz de acção coordenada, conseguindo andar (os mecanismos mentais destes processos são modularmente independentes da consciência), contudo sem existir uma lógica aderente ao seu comportamento (a consciência evita conflitos respeitantes a um nível de abstracção complexo que manipula e se relaciona com níveis inferiores cujos conflitos são geralmente resolvidos em módulos autonómicos - por exemplo: qual o pé a avançar primeiro num passo).

Damásio dispõe a sua extended consciousness como uma camada sobre a qual se estruturam outras mais complexas (a modularidade da mente, com módulos que sobrepõem à consciência, ou noutro modelo processam informação da consciência), entre as quais está a inteligência, que me parece portanto considerada como algo que manipula um nível de abstracção superior (no sentido de simbologia representativa de complexidade informacional) ao da consciência.
Esta questão é fulcral para o tema que pautou a aula em foco, segundo esta visão a consciência não estaria meramente envolvida na camada superior de actividades como a tomada de decisão, com o intuito de resolver inconsistências, mas estaria apenas no caminho de um processo de complexidade crescente.

Outro ponto que toma vida na exploração de Damásio é algum do drama subjacente à consciência (penso que para aqui se nota logo no início do livro a sensibilidade do autor presente na observação cuidada do idoso que se dirige para um ferry em Estocolmo). A consciência, como sub-produto evolucionário, capaz de levar a estados de depressão (ou será esta apenas uma disfunção química do cérebro? julgo que não), em que existe uma disfunção das capacidades humanas para atingir objectivos e como que um loop de feedback negativo, ou ao suicídio (explicando de certa forma a motivação, de certa forma anti-evolucionária, com um sub-produto de um mecanismo gerado pela própria evolução). É esta a forma como a consciencialização da condição humana, das inevitabilidades da realidade e da incapacidade de atingir objectivos, pode agir contra a finalidade dos produtos da evolução.

Face à mutabilidade do autobiographical self Damásio destrona de certa forma a ideia de que é possível reproduzir uma dada instância de consciência de uma forma artificial, não face à complexidade da influência memética do meio na formação do ser mas pela sua unicidade no tempo e a sua forma como um processo evolutivo em si, cujo destino é traçado tanto do interior (desde os genes ao produto de uma acção de decisão ou planeamento complexa) como pela influência exterior. Contudo não vejo que não seja possível, através de uma influência externa, dar uma continuação a todo o consciente, passando-o de um meio para outro. Vejo face aos dados apresentados por Damásio, a juntar aos factos que desde o início do Semestre me têm flamejado nesta direcção, a adaptabilidade dos vários módulos de consciência para poderem ser reproduzidos artificialmente (uma das suposições apresentadas por Damásio) e ainda mais, mesmo a possibilidade de transferência da uma consciência humana para um suporte diferente sem ter que reproduzir um processo de estímulo exterior ao jeito de historial de forma a parametrizar a nova consciência, efectuando apenas a produção de um meio capaz de simular as funcionalidades do cérebro no que diz respeito à consciência e fazendo uso de um processo de transferência de todo um estado (informação) para o novo suporte (transferência esta que poderia mesmo ser feita transparente de forma a nem sequer alterar o autobiographical self - por exemplo induzindo um estado de indisponibilização de informação à mente consciente durante o processo). Julgo contudo que Damásio apresenta uma orientação oposta.


Bibliografia:

[PINKER]
"How the Mind Works"
Steven Pinker, 1997, W.W. Norton & Company

[DONALD]
"A Mind So Rare"
Merlin Donald, 2001, W.W. Norton & Company

[DAMASIO]
"The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of Consciousness"
Antonio, Dr. Damasio, 1999, Harvest Books

[DENNETT]
"Consciousness Explained"
Daniel Clement Dennett, 1992, Little Brown & Co

[DENNETT ON DAMASIO]
REVIEW OF ANTONIO R. DAMASIO, Descartes' Error: Emotion, Reason, and the Human Brain, 1994
in the Times Literary Supplement, August 25, 1995, pp. 3-4.
Daniel C. Dennett
Could be found online at on May 2002: http://ase.tufts.edu/cogstud/papers/damasio.htm

[DENNETT INTERVIEW]
THE COMPUTATIONAL PERSPECTIVE: A TALK WITH DANIEL C. DENNETT
http://www.edge.org/3rd_culture/dennett2/dennett2_index.html

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