Relatório Final relativo à experiência na cadeira de Computação e Ciências Cognitivas
Súmula: A partir da contextualização da experiência da cadeira no espectro das minhas experiências e interesses parto para tirar conclusões relativas àquilo que chamo um processo de dismitistificação (e daí para os efeitos da cadeira sobre mim próprio). A exposição de algumas das teorias que mais me marcaram é feita num encadeamento mais facilmente compreensível por quem tenha presente os conteúdos programáticos da cadeira. Pretendo nesta exposição representar a minha evolução na cadeira expondo alguns dos pontos de cepticismo em relação a algumas teorias orientando-me gradualmente para aquilo que se tornou a minha visão. Deixo ainda algumas sugestões.
Palavras-chave: teoria computacional de mente, memético, psicologia evolucionária, mecanismos simbólicos, sub-simbólico, emoções, evolução memética
No decorrer desta cadeira vim confirmar a brutalidade dos mitos que nos cercam na pool memética contemporânea, mesmo para quem nasce numa cidade relativamente desenvolvida como Lisboa (comparativamente com o resto do país) e num momento em que a globalização ao nível cultural quebra muitas fronteiras. Mesmo nesta nova sociedade global que se vai instalando existem os mitos que a ela são próprios e facilmente acomodam a inquisição decorrente tão naturalmente da consciência humana com uma série de respostas fáceis para algumas das questões mais interessantes da humanidade.
Algumas perspectivas transmitidas pelo curso (nomeadamente a teoria da complexidade na computação ou a abordagem de teoria da informação) tinham-me já alertado para algumas das problemáticas limitativas da nossa realidade cognitiva. Apesar de durante um certo período até há pouco menos de um ano o meu interesse pela leitura ter decrescido em tempos do ensino secundário o meu interesse por Astronomia e Ciência em geral levou-me a ler Carl Sagan e Richard Feynman, entre outros, e desbravar um pouco os caminhos típicos do pensamento lúcido que tanto produz quando aplicado aos problema da mente, mesmo os mais complexos e envoltos em mistificação. Contudo não tinha ainda existido um meio que viesse quebrar definitivamente os laços que julgo todos termos criados face à forte contextualização memética (a separação na dualidade corpo e mente, a delegação de capacidades como que de uma forma mágica numa entidade espírito, a aceitação de fenómenos inexplicáveis como tal, etc.).
A adaptação aos mecanismos típicos das ciências cognitivas foi todo um processo complexo e demorado. Especialmente a adaptação aos mecanismos derivados do neo-Darwinismo e mais recentemente da psicologia evolucionária, à teoria computacional de mente, à panóplia de novos sentidos para vocabulário densamente ligado à visão mística do seu uso no dia-a-dia e até mesmo alguma dificuldade em lidar com termos técnicos da anatomia cerebral (mesmo depois de algumas leituras especificamente sobre o tema). Apesar destes obstáculos julgo que a motivação foi muita para os superar e a forma natural e simples, se bem que penso por vezes simplista, com que muitos dos temas foram abordados nos debates veio ajudar neste caminho. As exposições teóricas trouxeram toda uma quantidade de informação que necessitava naturalmente de um processamento mais cuidado e daí o percurso bibliográfico que nos foi aconselhado. A variedade e inter-relacionamento da informação exposta foi, só por si, uma fonte de motivação.
Devo confessar que me é difícil expor de uma forma sequencial o produto deste semestre de aprendizagem e como tal vou necessitar de utilizar alguma forma de suporte adicional, tome ela a forma que tomar, sabendo desde já que a completude que tentei colocar nos sumários de cada aula vai aqui ser completamente impossível. Não pretendo contudo perder-me nos detalhes da forma da aprendizagem sem apresentar os seu frutos ainda em fase de maturação (e espero que continuamente pois planeio seguir com alguma atenção este campo do conhecimento).
“Boa tarde, eu sou o Tiago e gostava de saber onde é que existe uma ligação entre os mecanismos da IA e a mente humana. Por maior complexidade que possa compor estes mecanismos (dentro dos limites do computável em tempo útil) apresentam-se apenas como fruto de algo que é a inteligência humana e a estendem com uma capacidade de processamento matemático superior, sem contudo se aproximarem minimamente da essência que pauta a mente humana capaz de uma panóplia de actividades muito complexas contudo de simples execução e cujo cariz não determinista contudo bem articulado, capaz da adaptabilidade e altamente resistente a falhas (nem sequer necessitamos de um canal de comunicação sem ruído).
Já agora gostaria de compreender o que me torna único e me permite experimentar a subjectividade da minha vivência. Pelo caminho se possível gostaria de passar pela explicação de mecanismos como os sonhos, a necessidade de dormir, a aprendizagem e a forma como sou diferente dos meus pais partilhando com eles muito código genético, aproximando-me contudo em muitos aspectos muito mais da visão de uma geração que é a minha mesmo que não tenha a mínima proximidade genética com os seus membros (Será que somos um mecanismo de aprendizagem? Um ser que só sabe aprender?) Sim, gostava de saber, até porque os meus antepassados sabiam caçar e eu não sinto quaisquer instintos que me levem a tal actividade, será que algo se sobrepõe a eles e daí vem muita da agonia da condição humana e problemática da sociedade moderna mediocremente pacifista? E sim porque tudo isso me parece demasiado afastado da frieza da capacidade científica e os mecanismos da psicanálise não me fornecessem senão uma abordagem de topo que se assemelha à compreensão que muitos têm de uma automóvel, sabendo até manipulá-lo conforme as suas intenções, sem contudo compreender as razões do seu funcionamento.”
A confusão presente no parágrafo anterior é em todo intencional e pretende esboçar de alguma forma a superficialidade das questões que me atordoavam e foram atordoando até as poder confrontar com a lucidez de mentes como Steven Pinker ou Daniel Dennett.
A abordagem que me afastou do cenário traçado atrás foi um misto de aproximações do tipo bottom-up e top-down, com um peso muito forte da perspectiva evolucionária que em vez de apenas colocar mais uma questão (a de como surgiram determinados mecanismos que necessitam contudo de ser explicados) veio simplificar a explicação dos mecanismos através de um processo de eliminação de possibilidades e contextualização da sua aquisição.
Se inicialmente a mente parece não ser permeável à teoria computacional os grandes motivadores desta limitação são a visualização da mente como algo monolítico em vez de como uma sobreposição de camadas interactuantes numa série de processos dos quais apenas alguns são perceptíveis conscientemente e por outro lado a própria sensação de mágica que a nossa situação como entidade consciente percepciona em mecanismos como a visão, a fala e a escrita. Sendo que a dificuldade aprentemente inerente às mentes humanas normais em lidar com aquilo que veio a ser a essência da IA simbólica: a lógica e a matemática (entre tantos outros processos formais) será outro dos factores que fortemente contribuem para a dificuldade de aceitação de uma teoria computacional de mente.
É desta forma que existe uma convergência para a noção de modularidade de mente partindo de áreas distintas envolvidas nas ciências cognitivas e dos dois tipos de abordagens bottom-up e top-down (um dos tais pontos em que estas abordagens se encontram no meio e vêm consolidar-se). Sendo assim a mente passa a ser vista como um conjunto de módulos interactuantes implementados sobre aquilo que é o orgão cérebro em conjunto com todo o sistema nervoso. Uma perspectiva evolucionária vem permitir observar quase em detalhe a construção destes módulos, sujeitos a pressões evolucionárias tais como as que geraram a capacidade de mobilidade (que foi a motivação associada à extensão do simples sistema nervoso vegetativo das plantas), não uns a partir dos outros mas uns sobre os outros, com um nível de abstracção, poder computacional e complexidade simultaneamente crescentes.
A teoria de que a mente humana era construída de uma forma puramente memética vinha suportar que a mente humana se distinguia da mente dos outros animais visto permitir a aprendizagem genérica (seriamos assim um mecanismo de aprendizagem genérico), teoria à qual de certa forma se “encostava” grande parte das correntes de pensamento de há algumas décadas. Tem vindo a desenvolver-se um trabalho para desvendar até ao detalhe processos como o da visão ou a fala (que segundo muitos são mecanismos especializados do cérebro da espécie humana que se enquadram num cérebro modular e processam dados de e para outros módulos) e a aprendizagem associada a estes mesmos, e os pontos específicos em que ela se distingue do crescimento geneticamente programado. Face a estes resultados a mente humana toma a forma de um conjunto de ferramentas muito especializado, talhado pela evolução e consequentemente pelos desafios enfrentados pela espécie humana nos meios que atravessou. Apesar de tudo não existe uma abordagem concordante neste aspecto. Resistindo uma espécie de combate intelectual que tem vindo a decorrer. De um lado encontram-se os defensores de que os mecanismos específicos à espécie humana como a fala (e a utilização de símbolos que lhe está subjacente) são sub-produtos evolutivos de capacidades que foram cruciais para os nosso antepassados e que face a determinado estímulo do meio se manifestam, tendo todo um suporte nas estruturas do cérebro. Do outro lado os que defendem que as estruturas do cérebro humano em pouco diferem de outras estruturas símias excepto em questões de tamanho e que todo o conjunto de mecanismos cognitivos superiores é fruto de um processamento colectivo e não tem alguma espécie de suporte físico em estruturas cerebrais dedicadas mas sim numa mente capaz de pensamento adaptativo e com estruturas de processamento até certo ponto genéricas.
É provavelmente a versatilidade de mecanismos cognitivos humanos e capacidade destes gerarem novos mecanismos (como aconteceu com as provas lógicas por contradição, só para citar um exemplo relativamente simples) que os tornou capazes de enfrentar da melhor forma os desafios evolutivos que permite actualmente a sua multiplicidade de aplicações, entre as quais se conta a produção de uma civilização científica cujos suportes residem em estruturas complexas de interacção humana, tecnológicas, inteligentes e, de futuro, estou convencido de outros tipos de agentes artificiais dotados de qualia na sua interacção com o mundo.
O salto para este plano que é chamado de cognitivo não foi certamente um processo ocasional mas o acumular de uma série de vantagens evolutivas que estavam aderentes a muito pequenos progressos neste sentido, esses sim fruto do acaso. Daí a explicação para a sofisticação da mente humana que, comparada a muitos produtos da engenharia mais avançada parece simplesmente estar noutra dimensão, contudo apresenta, como se tem vindo a provar, um conjunto esplendido de soluções aferido pela evolução num período de tempo muito longo. Sendo que algumas dessas soluções têm um cariz semelhante ao subjacente no espírito da engenharia e, muitas vezes, funcionando mesmo como inspiração para a mesma (na visão artificial provavelmente também existirá uma camada de mecanismos modulares em que alguma das camadas terá uma funcionalidade semelhante àquela que em nós distingue as fronteiras dos objectos e processa paralelamente cor, traços e fronteiras).
As emoções vêm-se mostrar com um papel crucial na interface entre o universo sub-simbólico herdado dos nossos antepassados e as novas capacidades cognitivas simbólicas cuja actuação seria demasiado lenta e complexa para as tornar capazes em muitas situações de tempo real, tal como a IA nos tem vindo a demostrar na incapacidade aderente a sistemas de inferência com uma base de conhecimento exageradamente grande. Uma solução para este tipo de problemas é usualmente um pré-processamento não simbólico da realidade em causa de forma a simplifica-la num sistema utilizável pela lógica, que na IA é usualmente efectuado pelos humanos que desenham os mundos dos seus agentes, e o qual está demarcadamente presente no pré-processamento de que é alvo a informação sensorial antes de chegar às camadas de maior abstracção e conscientes do cérebro.
Naturalmente que a compreensão de certos mecanismos criativos, culturais e sociais se torna difícil dado um certo enquadramento computacional, especialmente dado o nosso ponto de vista subjectivo. A noção da pool memética e a visualização do universo de ideias em evolução, sujeitas a uma selecção dependente do seu efeito pode parecer um caminho muito mais natural sobreposto ao processo computacional da mente. Contudo esta visão deixa em aberto um problema que é o da geração memética, localizando-se aí o foco da definição de todo o conjunto de fenómenos cognitivos que se compõe na cultura, ciência, etc. É assim que nessa pool memética se podem encontrar comportamentos com um determinado significado cognitivo que estão largamente associados a focos da pressão evolutiva de que a nossa espécie foi alvo, como por exemplo é o da ligação cultural da prática sexual e das variações sobre as mesmas entre contextos culturais, mas contudo dotados de uma universalidade. E junto com estes artefactos encontramos outros que em nada terão contribuído para a sobrevivência humana e cuja proliferação em nada é limitada por essa razão, entre estes encontram-se por exemplo instâncias em formas de arte específicas que se apresentam como uma manifestação desprovida de qualquer sentido simbólico.
Efeitos primários e secundários da disciplina sobre o "Eu":
Até ao momento CCC veio-se apresentar como a cadeira mais interessante do caminho que percorro na LEI.
Para além de me abrir um novo horizonte em inúmeras áreas do meu interesse extracurricular - desde os interesses adquiridos e nutridos em tempos do ensino secundário até a interesses de aquisição recente, maioritariamente culturais, associados a filmatografia independente, obras de divulgação e ficção científica - esta disciplina veio trazer um impacto extremamente profundo às minhas vivências pessoais, na forma como me vejo a mim mesmo e especialmente na forma como vejo o mundo nas suas componentes social, para a qual comecei a estar mais aberto apenas recentemente, com um interesse crescente ampliado pelos conteúdos da cadeira, e profissional, se assim me for permitido referir à área da informática que tem sido naturalmente uma das áreas sobre a qual tenho efectuado mais computação durante os últimos tempos.
Inicialmente senti uma certa dificuldade (que só agora consigo reconhecer) em me orientar neste mundo das CC (que na verdade é o nosso dado o objecto do estudo) vista a quantidade de preconceitos sobre muitos dos assuntos que só agora estão a ser abordados de uma forma científica à luz de paradigmas como o da selecção natural. Apesar de estarmos em plena revolução da informação (talvez por isso mesmo, devido às inúmeras fontes de informação dúbia e pouco lúcida que proliferam) muitos dos conceitos relativos à mente humana presentes naquilo que podemos considerar o senso comum são completamente fruto de intuição e inferência simples (uma proliferação do senso comum, o que é grave dado a falta de criticismo), daí o seu enraizamento desde cedo (até mesmo as crianças se questionam sobre si, provavelmente após adquirirem a capacidade de “sentiença” - sentience - , a primeira chama de experimentação do “eu”) e a explicação para que até muito recentemente se tenham mantido nas mentes até dos mais elucidados e elucidativos. Se é difícil lutar contra dogmas como os associados à religião para os quais a intuição interior apontará apenas para os contornos (o suporte genético da religião) então lutar contra dogmas profundamente enraizados na forma como toda a nossa sociedade pensa e que para além de serem veiculados pelos memes são ainda suportados como uma intuição muito forte (olharmos para a matéria animada de movimento e olharmos para nós faz-nos pensar que temos algo distinto da matéria por detrás da nossa existência).
Agora é com uma nova perspectiva que aprecio algo como uma sitcom ou uma peça de teatro multimédia. Naturalmente que existem consequências potencialmente negativas deste processo, como de todos os processos de eliminação e afastamento da ignorância, como tal um questionar permanente pode complicar bastante os prazeres mais simples mas dota-nos de prazeres intelectuais sem igual. Contudo outros prazeres tipicamente intelectuais que poderiam derivar da ignorância e um certo estonteamento com algo que agora se me apresenta desprovido dos mistério iniciais, pautando o intelecto das abordagens simplistas (ou simplesmente menos recentes e efectuadas sobre outras luzes ainda algo obscuras) de um grau de inocência relativamente grande. Sinto isso ao ler o livro de Isaac Asimov, “Viagem Fantástica II: Destino Cérebro”, mas claro que o prazer perdido não é total, senão naturalmente não estaria a ler o livro e não encontraria nele muitas circunstâncias positivas de aplicação de pensamento científico.
Foi desta forma que senti nutrido o gosto pelo pensamento e manutenção de um pensamento lúcido em momentos e situações que antes lidava de uma forma semiconsciente e pautada por preconceitos e intuições.
Naturalmente que conforme Robert Wright menciona na introdução do "The Moral Animal", quando refere as consequências da aplicação da psicologia evolucionária, existe um reverso da medalha que se manifesta numa partida para divagações filosóficas em situações em que isso não se apresenta nada prático. Contudo julgo que as vantagens são muitas e podemos sempre esquecer a forma como a consciência interage com outras componentes do nosso sistema nervoso, a filtragem de informação de níveis inferiores, a pequenez da Short Term Memory (e as consequências disso que sentimos no dia a dia) e simplesmente deixar o nosso sistema actuar quando assim deve ser, debruçar o nosso pensamento consciente sobre o que sempre o ocupou em vez de o preencher totalmente com meta-computação, e, naturalmente, sentir maior naturalidade em certos comportamentos uma vez que sabemos algo mais sobre a sua origem. Deixando também de forma espaço para a formação de intolerâncias que em muito podem contribuir contra a aprendizagem e mesmo os alvos da aprendizagem (sem tolerância para com algo que não fosse o que lhe tinham ensinado no MIT e que desprezava as perspectivas evolucionárias Steven Pinker nunca teria avançado com as suas ideias unificadoras).
Neste momento continuo ainda a ler parte da bibliografia recomendada e a explorar por outras vias de forma a poder completar ideias que deixei em aberto nos sumários das aulas e sinto uma grande vontade de ter mais tempo para poder ler tanta bibliografia com que me deparo e poder escrever mais sem ter que me preocupar com a época de exames que está a chegar.
Assim escrevia eu antes de iniciar a época de exames, tendo durante a mesma vindo ainda a terminar de escrever os sumários e completar algumas leituras. Pretendo contudo manter-me ligado a este meio e tenho já alguns livros à espera das férias para poderem ser lidos.
Propostas:
Julgo que a realização de sumários e desenvolvimentos sobre os temas das aulas é um método de avaliação bastante capaz (junto com a avaliação da participação nos debates), mas julgo também que devia ser, mais do que um método de avaliação, uma forma de aprendizagem, e conter em si o respectivo feedback que dirige a aprendizagem. Concretizando acho que seria bastante vantajoso para o desenvolvimento de cada aluno bem como do nível dos debates existirem comentários pela parte do Professor a cada um destes sumários entregues bem como uma orientação um pouco mais próxima de cada aluno relativamente ao seu desenvolvimento na disciplina. Julgo mesmo que este feedback poderia actuar como catalisador da aquisição de conhecimentos e compreensão das matérias, que, de início, julgo ser bastante difícil face à multidisciplinariedade da área de Ciências Cognitivas e da necessidade de quebra de uma série de dogmas e mesmo preconceitos enraizados no senso comum contemporâneo.
Sunday, July 14, 2002
Notas sobre a 4ª e 5ª Aulas de Computação e Ciências Cognitivas
Tema: "O papel cognitivo da consciência"
I - Sumário
O estudo dos processos cerebrais tem vindo a ter dois principais tipos de fontes de informação distintas. Através do estudo de pacientes com lesões cerebrais a determinadas zonas é possível verificar os papéis desempenhados por essas zonas face a capacidades perdidas e determinados comportamentos fora do normal verificados nos pacientes. Contudo a estrutura adaptativa do cérebro, chegando ao ponto de utilizar células neuronais dedicadas ao processamento de um sentido de que a pessoa venha a perder (por exemplo a visão) para processar outro tipo de informação sensorial, poderá indicar um ponto de invalidação destes estudos ao alterar desta forma o objecto de estudo nesses pacientes. Outro processo, que tem vindo a ter uma evolução rápida nas últimas décadas são as técnicas de imagem cerebral. Inicialmente limitadas à medição das correntes eléctricas presentes no cérebro (através de electroencefalogramas) neste momento permitem mapas tri-dimensionais (MRI) e o estudo dinâmico de processos químicos na mente (PET e fMRI). Contudo os limites são ainda muitos, não sendo possível chegar ao detalhe do neurónio e contextualiza-lo espacial e temporalmente vista a brutalidade de informação que isso representaria, não só a própria tecnologia de imagem que seria necessária.
O ponto seguinte na discussão foi a problemática de a consciência não representar apenas um estado binário e nem sequer ser algo único ao ser humano. Falou-se assim em níveis de consciência e a sua associação, numa perspectiva evolutiva, com os estímulos e desafios enfrentados e da evolução de várias camadas de consciência associadas com a evolução do sistema nervoso através das espécies.
Após a formação de estruturas multicelulares de um tamanho considerável a necessidade de um sistema de coordenação entre os seus vários processos internos originou um sistema suportado sobre o sistema de irrigação interno e que ainda hoje tem um paralelo no ser humano através da comunicação efectuada através de hormonas na corrente sanguínea. Naturalmente que este sistema é lento mas para seres não dotados de movimento isso não representa um grande problema. Contudo face à necessidade de movimento e às vantagens evolutivas daí retiradas a formação de um sistema de coordenação mais eficaz e eficiente levou aos primórdios daquilo que é o nossos sistema nervoso, este seu predecessor seria altamente orientado para a percepção sensorial e feedback. Só no momento em que a terra começou a ser povoada por animais que deixavam as águas é que a complexidade deste novo meio veio colocar novos desafios e colocar a necessidade de em paralelo com o aumento da inteligência dos sistemas nervosos já existentes viessem também a surgir níveis de consciência mais desenvolvidos que foram evoluindo. As vantagens da manutenção de uma temperatura corporal e a adaptabilidade ao meio daí surgida vieram colocar nova pressão nos mecanismos de controlo interno, muito especialmente nos mamíferos. A certo ponto da evolução nos mamíferos entram em jogo uma série de processos conscientes ligados ao próprio animal como a auto-monitorização ou a capacidade do animal se reconhecer a si próprio, apontando para um nível cognitivo que se prende com o "eu" já algo elaborado.
Falou-se do interesse no paralelo entre a filogénese e a ontogénese no ser humano. A gestação no líquido amniótico face à origem do reino animal nos mares, a aquisição gradual de níveis de consciência durante o crescimento. Durante o crescimento as ligações sinápticas vão-se formando, julgando-se que é aqui que se reflecte a aprendizagem e será em muito suportada a teoria de que o ser humano é um animal desenhado para aprender (da teoria de mente genérica talhada por processos de aprendizagem com origem no meio exterior), sendo que mais tarde o estabelecimento de novas ligações seja muito menos frequente ao mesmo tempo que a aprendizagem é também em muito dificultada.
As ideias da ligação entre a linguagem e o simbolismo aderente à nossa consciência vêm ajudar no estabelecimento da fronteira que nos separa das outras consciências animais visto a linguagem simbólica. Na nossa linguagem existem traços inventivos, de manutenção de estado (o que não acontece nas danças simbólicas abelhas as quais são facilmente explicáveis à luz de um comportamento de reacção perante um dado universo exterior com uma representação cognitiva associada) e também de auto-referência, sendo mesmo que o surgimento da linguagem é muitas vezes associado à emergência de um nível consciência cuja informação necessita de ser partilhada. Daqui partiu-se de certa forma para a exploração de uma consciência distribuída originada nesta necessidade, suportada na linguagem e mapeada nos fenómenos sociais de um caracter cognitivo por vezes bastante elevado. Apenas a existência de um mecanismo simbólico de alto nível emergente da consciência individual permite a veiculação de informação com uma representação cognitiva elevada e que por exemplo é veiculada em processos de ensino. Contudo os processos de aprendizagem não passam todos pela veículação de informação simbólica e são em muito suportados pela faceta sub-simbólica da mente humana. A nossa capacidade de aprendizagem por imitação mostra-se muitas vezes extraordinária. Sem a necessidade de uma interpretação cognitiva dos processos envolvidos no objecto de aprendizagem é-nos possível adquirir capacidades para executar tarefas complexas e só mais tarde entrar nos detalhes cognitivos das mesmas (podendo até efectuar uma adaptação do que foi aprendido ou retirar informação de mais alto nível mais difícil de se esquecer). Julgo que muita desta capacidade adere num suporte sub-simbólico comuns entre seres humanos, tal como a Gramática Universal como suporte genético da linguagem ajuda à aprendizagem da mesma outros mecanismos agem como suporte genético comum de forma a facilitar a aprendizagem por imitação.
Esta capacidade de aprendizagem por imitação é pouco frequente no reino animal apesar de estar mais associada com os mecanismos sub-simbólico da mente humana. É assim como que uma confirmação de que o que nos destingue dos outros animais não reside nas capacidades dos mecanismos simbólicos mas em toda uma extensão das capacidades, incluindo as sub-simbólicas.
Ainda no tópico da consciência distribuída num meio memético falou-se nos estudos psicoanalíticos Youngianos que se debruçaram sobre um inconsciente colectivo povoado por mitos. Pareceu-me assim apontar-se para uma abordagem do colectivo humano como uma só entidade em paralelo com a mente de um só indivíduo. Destacando assim um paralelo da necessidade evolutiva em criar na mente humana um fluxo de execução sequencial capaz de coordenar os vários módulos de processamento de informação e juntar num contexto cognitivo mais amplo e complexo com as várias instâncias de hierarquização social baseada em vários critérios (que em muitas das outras espécies animais são orientadas por uma via sexual: o macho dominante, etc.), mas que no geral pretendem coordenar um fluxo de execução social paralelo.
A condução do debate levou então a uma exposição das ideias mais significativas presentes em [DONALD] que eu exploro um pouco mais aprofundadamente na parte II.
Dessa exposição focamo-nos em ideias como a necessidade de projecção de conteúdo cognitivo presente numa consciência noutra, e daí o surgimento da comunicação, e das limitações aderentes a qualquer tipo de projecção (através de transmissão de informação), que no extremo serão limitadas pela subjectividade da experiência consciente (usualmente referenciada como qualia). Também nos centramos sobre a unicidade da mente humana que comporta a elasticidade de aptidões ao extremo de poder conjugar um conjunto de componentes da consciência naquilo que é chamado de skill mixing e de onde se permite originar inovação através da explosão combinatória de possibilidades que esta mistura trás. Na linguagem muitas destas facetas únicas da consciência humana são visíveis.
Falou-se ainda da memória como suporte essencial para a consciência, tanto a memória de curto prazo como a de médio e longo prazo, e mesmo a capacidade de troca de contexto e regresso a um contexto anterior sem ter que recorrer aos mecanismos típicos da memória de longo prazo. Donald Merlin explora a questão do endereçamento da memória mas no debate o foco foi sobre a redundância que esta demonstra, e talvez assim vários caminhos para activar a mesma memória. Por outro lado existiu alguma preocupação em focar alguma que é a problemática de localização das capacidades de memória e que tem apontado para um estudo mais profundo da constituição dos neurónios e células da glia, procurando associar a função de memória a estruturas presentes nos neurónios individuais (como os micro-tubulos) em vez de somente na rede neuronal em operação. Contudo falou-se de loops activos de memória, mas julgo que no contexto da teoria de consciência como um foco funcional no cérebro móvel e que assim permitia acesso a diferentes componentes em instantes diferentes, e que na memória representar-se-ia pelo facto de à consciência estarem apenas disponíveis as recordações associadas com a zona onde este fluxo se encontra num dado momento (de notar a fonte de não determinismo aqui presente).
Já na 5ª aula falou-se de uma influência do factor geográfico sobre a consciência. Esta ideia estará certamente ligada com a ideia de que a consciência é em muito um produto da memética. Recordo-me de ouvir falar de povos que criam que a sua consciência se localizava fisicamente não dentro do cérebro mas na zona abdominal, contudo julgo que esta corrente se referia ao povo dos Andes que mascava com frequência a folha de coca e daí usufruiria de efeitos alucinogénicos. Contudo a exploração do plano memético da consciência não deverá ser posta de parte e, tal como existem crenças de que a linguagem é em si todo um produto da memética, também a consciência o poderia ser, até como produto (ou catalisador) do simbolismo, nomeadamente de auto-referência, presente na linguagem. Ainda em relação com a linguagem é de notar a serialização típica do mecanismo e o papel de serialização atribuído à consciência. Contudo o paralelismo está presente mesmo na consciência (permitindo a execução simultânea de tarefas) e na linguagem onde existe elaboração suficiente para desenvolver conversas com algum grau de paralelismo, contudo limitado.
Apontando para a teoria dos jogos e da informação falou-se ainda de requisite vareity na perspectiva evolutiva tanto a nível das espécies como mesmo da memética. É interessante notar que a linguagem é uma ferramenta que permite a produções muito diversificadas, tal como a lógica, apresentando-se como um conjunto de ferramentas genéricas e extensíveis, capazes de suportar a requisite variety da memética.
Uma consciência capaz de efecutar manipulação da simbolos e de associação de ideias é capaz de produzir conhecimento por si. Na sua ausência desta capacidade só através da aprendizagem por falha poderia ser possível atingir esse conhecimento e estar-se-ia ainda que mais limitado pelas fontes de experimentação, limitando por completo a existência da abstracção necessária ao suporte civilizacional. Sendo assim: it seems failure is not allways the best way to learn (fazendo referência a uma citação que fiz na primeira aula). Contudo a aprendizagem por falha demonstra-se um mecanismo mais capaz de marcar fortemente o mecanismo emocional da mente. Evolutivamente este facto deve ser derivado da traição de outros indivíduos através da transmissão de factos errados - o que acontece por exemplo nos símios - e erros de inferência que podem conduzir a situações imprevistas, enquanto que algo que é marcado por uma aprendizagem por falha lida directamente com a realidade, sendo só por si um mecanismo muito limitativo e catalisador do medo.
Sem a complexidade de mecanismos de aprendizagem distintos, mantendo-se em nós os mais antigos sem perderem a sua importância, o ser humano não seria capaz de efectuar as miríade de tarefas crescentemente complexas (e a mecanização a elas adjacente que torna a sua repetição simples ou a aprendizagem por imitação que torna a utilização possível sem um domínio do detalhe). Julgo mesmo que é através dos mecanismos algo mais primitivos, sem os quais a mente humana seria demasiado lenta e frágil, que se suportam os mecanismos de aprendizagem mais recentes (existindo um feedback entre os mesmos, como por exemplo na mecanização de uma tarefa através da sua compreensão em misto com um processo de imitação) e que nos transportaram para um plano cognitivo muito mais denso, complexo e abstracto.
II - Desenvolvimento
Em termos de bibliografia julgo que assimilei as ideias chave que agora pautam o meu raciocínio no final do capítulo "Thinking Machines" [PINKER] em que a consciência é alvo de uma dissecação funcional que em muito mudou a minha forma de abordar o assunto e consequentemente mesmo a realidade social (I'm resorting to sorts of bottom-up aproaches more often in those matters).
A separação que Pinker faz para a consciência dispõe-se em três elementos. O conhecimento do próprio que está aderente a um modelo cognitivo da realidade onde se insere informação sobre o próprio indivíduo. O acesso à informação que é fruto da modularidade do cérebro onde a consciência se encontra num plano onde nem toda a informação do sistema nervoso está disponível, aliás o meio da consciência é relativamente diminuto (necessitando de utilizar a memória para completar uma espécie de buffer temporário que utiliza) e contem elementos principalmente de caracter simbólico associados a conteúdos mais detalhados dos níveis não conscientes inferiores (contudo este nível de percepção consciente é suficientemente detalhado para não nos levar a ter uma experiência demasiado abstracta da realidade). Existem contudo mecanismos de feedback em ambos os sentidos que permitem tanto processos como a aprendizagem de tarefas que inicialmente envolvem um processo consciente e são um foco de atenção para mais tarde se automatizarem passando para um plano inconsciente, como permitem a consciencialização de detalhes adjacentes ao mecanismo da visão ou notar detalhes sonoros no discurso de uma pessoa, ou mesmo até sentir a batida do coração. E a misteriosa sentience que se refere à experiência subjectiva, ao qualia no sentido da primeira pessoa, o "eu", e onde grande parte das dúvida persistem. Sendo que alguns lançam a teoria de que este terceiro elemento é apenas um sub-produto das necessidades evolutivas dos outros dois.
Merlin Donald [DONALD] adopta uma abordagem de certa forma mais clássica (digamos contida) e que se opõe a alguns dos pontos de outras teses como as que suportam a modularidade cerebral e o suporte genético resultante do processo evolutivo no que toca funções especificamente humanas como a fala. Curiosamente o caminho seguido na sua exploração está muito longe de ser pautado por alguma da obscuridade, muito pelo contrário, e não aponta simplesmente para a mente como um instrumento generalista moldado pela memética. Isto se bem que esteja mais próximo dessa visão do que daquela que a psicologia evolucionária transmite em relação ao conjunto de mecanismos oriundos da pressão evolucionária e em cujos sub-produtos estão suportados os pontos de ligação com a memética (indicando que a memética influi mais sobre mecanismos de mais alto nível do que aqueles como a linguagem que apenas sofrem a motivação memética para se revelarem, e não desenvolverem).
A exploração dos níveis de consciência entre as varias espécies animais e a sua correlação evolucionária é feita de uma forma muito envolvente. Trouxe de novo a ideia de que o ser humano não tem nenhum módulo cerebral adicional em relação aos seus antepassados e apenas é dotado de módulos cerebrais do dito 3º nível com maiores tamanhos.
A ideia de que a linguagem é apenas uma invenção humana, suportada por uma maior capacidade computacional nos níveis superiores de consciência (os quais se reflectem no próprio uso que fazemos da linguagem, por exemplo já na criança que demonstra as suas necessidades ou intencionalidade através de gestos), vai em muito contra as ideias de Steven Pinker de um suporte genético da linguagem que a torna algo exclusivamente humano e presente como uma capacidade inerente a todos os indivíduos naturalmente e cuja aprendizagem está em si presa ao suporte genético da linguagem.
Merlin apresenta os casos de que indivíduos nascidos em isolamento não demonstram qualquer capacidade para a fala e admite ainda que nesses indivíduos não exista uma representação mental simbólica elaborada (o "mentalês" mencionado por Steven Pinker).
Contudo penso que não se opõe por completo e não é inconsistente com a teoria de uma gramática universal que penso que foi inicialmente desenvolvida por Noam Chomsky. Sendo que o suporte computacional para os mecanismos que Merlin Donald considera simbólicos (defendendo também ele uma dualidade do sub-simbólico e simbólico na mente humana) será uma constante no genoma humano é natural que a convergência para mecanismos simbólicos externos tenha passos comuns em caminhos seguidos separadamente na história da humanidade.
Sendo assim a visão que se me depara face às ideias de Merlin Donald é a da mente humana não como um mecanismo de computação genérico moldado pelos memes, mas um mecanismo de computação simbólico, muito especifico e emergente (e sobretudo interactuante) do o nível sub-simbólico, e cujos produtos são naturalmente pautados por seguirem uma certa linha que os dota do determinismo necessário para a produção por sociedades independentes de mecanismos meméticos semelhantes (a linguagem e a religião entre outros).
Merlin apresenta também a teoria da consciência como um fluxo por contextos simbólicos associados a zonas cerebrais distintas, sendo esta suportada nomeadamente pela observação em doentes epilépticos que não têm ataques mas ao invés sofrem de períodos de inactividade consciente. Fiquei sem ter a certeza que era algo como António Damásio descreve e sobre o qual falo mais abaixo ou se mesmo uma perda de todo o tipo de actividade sem que mecanismos cognitivos inconscientes substituam o papel central da consciência durante estas falhas. Esta teoria é seguida de outra que veicula a ideia de um controlo electro-químico da permeabilidade à informação decrescente e controlável até às camadas cognitiva e evolutivamente mais elevadas do cérebro. Esta ideia é também resultante de experimentação e não se demostra inconsistente com a teoria de um fluxo consciente. Sendo que a consciência não é um mecanismo cognitivo permanente e nos vemos desprovidos dela em situações de sono, lesões cerebrais graves, etc. é natural que necessite de existir um mecanismo através do qual o cérebro impede a informação sensorial (processada nos níveis cognitivos inferiores) de atingir as zonas onde o fluxo de consciência iria receber essa informação. Julgo que esse processo de controlo deverá estar associado com as camadas que efectuam o processamento da informação sensorial de uma forma não consciente que podem por vezes alterar o permeabilidade desta para as camadas superiores por exemplo em situações de perigo apercebidas através deste processamento sensorial constante, existindo naturalmente também uma forte ligação com os mecanismos que implementam o metabolismo.
Como que a somar pontos para a questão da necessidade de uma forte multidisciplinarieade no assunto está a observação sobre os tipos de endereçamento que permitiram o funcionamento da memória e, apesar da comparação do autor com alguns dos sistemas mais simplistas destes processos, fica um vazio tecnológico de processos mais elaborados por explorar, que, julgo advir de um não domínio do campo da informática pelo autor. Contudo a forma como a exploração do assunto segue não deixa de ser interessante, apesar de não me ter satisfeito completamente e ter que recorrer a alguma simplificação sobre a questão da memória recordando-me das conclusões com que fiquei ao redigir o sumário da Aula 3 (a relação com a emoção como heurística no endereçamento da memória).
Contudo julgo que fica sem explorar um fio filosófico, nomeadamente a questão da subjectividade da experiência, e é desta falha que julgo saírem as conclusões, de certa forma decepcionantes, do Capítulo 5. Penso que de um esforço colectivo para, face à maior abrangência de factos possível, colocar este tipo de questões e procurar realmente respostas, é muito provável que se desenvolva (e terá vindo a desenvolver) um trabalho mais produtivo sobre a consciência em toda uma multidisciplinarieadade.
Foi assim que me debrucei também sobre [DAMASIO]. Inicialmente pareceu-me estar a observar uma redescoberta, muito bem desenhada e confirmada por situações com pacientes, da dissecação que tinha já lido em [PINKER].
Um paciente de Damásio (epiléptico) perdeu durante alguns momentos um nível superior de consciência (extended consciousness), perdendo a sua expressão facial (entre outras manifestações usuais de traços de personalidade, estados emotivos e emoções), os desejos, sentience (não encontrei tradução para este termo mas está generalizado na bibliografia sobre o tema portanto deverá existir uma tradução adequada), mas mantendo capacidade de agir no meio que o rodeava (por exemplo dirigiu-se para a porta, tendo contudo antes agido sobre objectos que não existiam sobre a mesa) e de se movimentar (nível de consciência mais abaixo - core consciousness). Transportam-se assim as emoções para um plano de consciência superior ao da acção, junto com o planeamento, a capacidade de utilizar informação do passado, e o estado emocional (mood, aqui em oposição às emoções momentâneas associadas à reacção), alterando também o foco de atenção sobre o presente (parte da selecção para processamento de entre a informação disponível num dado cenário - uma espécie de pré-processamento).
Julgava que esta capacidade de selecção de informação e pré-processamento era toda efectuada em camadas mais baixas, por exemplo como as que no processo da visão distinguem as fronteiras de um objecto de uma forma inconsciente (ver desenvolvimento na Aula 3). Contudo segundo Damásio parte deste pré-processamento (parece-me que o da visão não, estando de facto num nível mais baixo, e sendo assim Damásio estará a falar do foco de atenção associado a apenas um fluxo de execução que evita conflitos entre módulos cerebrais - a consciência) estará associado ao consciente. Contudo o seu paciente foi capaz de acção coordenada, conseguindo andar (os mecanismos mentais destes processos são modularmente independentes da consciência), contudo sem existir uma lógica aderente ao seu comportamento (a consciência evita conflitos respeitantes a um nível de abstracção complexo que manipula e se relaciona com níveis inferiores cujos conflitos são geralmente resolvidos em módulos autonómicos - por exemplo: qual o pé a avançar primeiro num passo).
Damásio dispõe a sua extended consciousness como uma camada sobre a qual se estruturam outras mais complexas (a modularidade da mente, com módulos que sobrepõem à consciência, ou noutro modelo processam informação da consciência), entre as quais está a inteligência, que me parece portanto considerada como algo que manipula um nível de abstracção superior (no sentido de simbologia representativa de complexidade informacional) ao da consciência.
Esta questão é fulcral para o tema que pautou a aula em foco, segundo esta visão a consciência não estaria meramente envolvida na camada superior de actividades como a tomada de decisão, com o intuito de resolver inconsistências, mas estaria apenas no caminho de um processo de complexidade crescente.
Outro ponto que toma vida na exploração de Damásio é algum do drama subjacente à consciência (penso que para aqui se nota logo no início do livro a sensibilidade do autor presente na observação cuidada do idoso que se dirige para um ferry em Estocolmo). A consciência, como sub-produto evolucionário, capaz de levar a estados de depressão (ou será esta apenas uma disfunção química do cérebro? julgo que não), em que existe uma disfunção das capacidades humanas para atingir objectivos e como que um loop de feedback negativo, ou ao suicídio (explicando de certa forma a motivação, de certa forma anti-evolucionária, com um sub-produto de um mecanismo gerado pela própria evolução). É esta a forma como a consciencialização da condição humana, das inevitabilidades da realidade e da incapacidade de atingir objectivos, pode agir contra a finalidade dos produtos da evolução.
Face à mutabilidade do autobiographical self Damásio destrona de certa forma a ideia de que é possível reproduzir uma dada instância de consciência de uma forma artificial, não face à complexidade da influência memética do meio na formação do ser mas pela sua unicidade no tempo e a sua forma como um processo evolutivo em si, cujo destino é traçado tanto do interior (desde os genes ao produto de uma acção de decisão ou planeamento complexa) como pela influência exterior. Contudo não vejo que não seja possível, através de uma influência externa, dar uma continuação a todo o consciente, passando-o de um meio para outro. Vejo face aos dados apresentados por Damásio, a juntar aos factos que desde o início do Semestre me têm flamejado nesta direcção, a adaptabilidade dos vários módulos de consciência para poderem ser reproduzidos artificialmente (uma das suposições apresentadas por Damásio) e ainda mais, mesmo a possibilidade de transferência da uma consciência humana para um suporte diferente sem ter que reproduzir um processo de estímulo exterior ao jeito de historial de forma a parametrizar a nova consciência, efectuando apenas a produção de um meio capaz de simular as funcionalidades do cérebro no que diz respeito à consciência e fazendo uso de um processo de transferência de todo um estado (informação) para o novo suporte (transferência esta que poderia mesmo ser feita transparente de forma a nem sequer alterar o autobiographical self - por exemplo induzindo um estado de indisponibilização de informação à mente consciente durante o processo). Julgo contudo que Damásio apresenta uma orientação oposta.
Bibliografia:
[PINKER]
"How the Mind Works"
Steven Pinker, 1997, W.W. Norton & Company
[DONALD]
"A Mind So Rare"
Merlin Donald, 2001, W.W. Norton & Company
[DAMASIO]
"The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of Consciousness"
Antonio, Dr. Damasio, 1999, Harvest Books
[DENNETT]
"Consciousness Explained"
Daniel Clement Dennett, 1992, Little Brown & Co
[DENNETT ON DAMASIO]
REVIEW OF ANTONIO R. DAMASIO, Descartes' Error: Emotion, Reason, and the Human Brain, 1994
in the Times Literary Supplement, August 25, 1995, pp. 3-4.
Daniel C. Dennett
Could be found online at on May 2002: http://ase.tufts.edu/cogstud/papers/damasio.htm
[DENNETT INTERVIEW]
THE COMPUTATIONAL PERSPECTIVE: A TALK WITH DANIEL C. DENNETT
http://www.edge.org/3rd_culture/dennett2/dennett2_index.html
Tema: "O papel cognitivo da consciência"
I - Sumário
O estudo dos processos cerebrais tem vindo a ter dois principais tipos de fontes de informação distintas. Através do estudo de pacientes com lesões cerebrais a determinadas zonas é possível verificar os papéis desempenhados por essas zonas face a capacidades perdidas e determinados comportamentos fora do normal verificados nos pacientes. Contudo a estrutura adaptativa do cérebro, chegando ao ponto de utilizar células neuronais dedicadas ao processamento de um sentido de que a pessoa venha a perder (por exemplo a visão) para processar outro tipo de informação sensorial, poderá indicar um ponto de invalidação destes estudos ao alterar desta forma o objecto de estudo nesses pacientes. Outro processo, que tem vindo a ter uma evolução rápida nas últimas décadas são as técnicas de imagem cerebral. Inicialmente limitadas à medição das correntes eléctricas presentes no cérebro (através de electroencefalogramas) neste momento permitem mapas tri-dimensionais (MRI) e o estudo dinâmico de processos químicos na mente (PET e fMRI). Contudo os limites são ainda muitos, não sendo possível chegar ao detalhe do neurónio e contextualiza-lo espacial e temporalmente vista a brutalidade de informação que isso representaria, não só a própria tecnologia de imagem que seria necessária.
O ponto seguinte na discussão foi a problemática de a consciência não representar apenas um estado binário e nem sequer ser algo único ao ser humano. Falou-se assim em níveis de consciência e a sua associação, numa perspectiva evolutiva, com os estímulos e desafios enfrentados e da evolução de várias camadas de consciência associadas com a evolução do sistema nervoso através das espécies.
Após a formação de estruturas multicelulares de um tamanho considerável a necessidade de um sistema de coordenação entre os seus vários processos internos originou um sistema suportado sobre o sistema de irrigação interno e que ainda hoje tem um paralelo no ser humano através da comunicação efectuada através de hormonas na corrente sanguínea. Naturalmente que este sistema é lento mas para seres não dotados de movimento isso não representa um grande problema. Contudo face à necessidade de movimento e às vantagens evolutivas daí retiradas a formação de um sistema de coordenação mais eficaz e eficiente levou aos primórdios daquilo que é o nossos sistema nervoso, este seu predecessor seria altamente orientado para a percepção sensorial e feedback. Só no momento em que a terra começou a ser povoada por animais que deixavam as águas é que a complexidade deste novo meio veio colocar novos desafios e colocar a necessidade de em paralelo com o aumento da inteligência dos sistemas nervosos já existentes viessem também a surgir níveis de consciência mais desenvolvidos que foram evoluindo. As vantagens da manutenção de uma temperatura corporal e a adaptabilidade ao meio daí surgida vieram colocar nova pressão nos mecanismos de controlo interno, muito especialmente nos mamíferos. A certo ponto da evolução nos mamíferos entram em jogo uma série de processos conscientes ligados ao próprio animal como a auto-monitorização ou a capacidade do animal se reconhecer a si próprio, apontando para um nível cognitivo que se prende com o "eu" já algo elaborado.
Falou-se do interesse no paralelo entre a filogénese e a ontogénese no ser humano. A gestação no líquido amniótico face à origem do reino animal nos mares, a aquisição gradual de níveis de consciência durante o crescimento. Durante o crescimento as ligações sinápticas vão-se formando, julgando-se que é aqui que se reflecte a aprendizagem e será em muito suportada a teoria de que o ser humano é um animal desenhado para aprender (da teoria de mente genérica talhada por processos de aprendizagem com origem no meio exterior), sendo que mais tarde o estabelecimento de novas ligações seja muito menos frequente ao mesmo tempo que a aprendizagem é também em muito dificultada.
As ideias da ligação entre a linguagem e o simbolismo aderente à nossa consciência vêm ajudar no estabelecimento da fronteira que nos separa das outras consciências animais visto a linguagem simbólica. Na nossa linguagem existem traços inventivos, de manutenção de estado (o que não acontece nas danças simbólicas abelhas as quais são facilmente explicáveis à luz de um comportamento de reacção perante um dado universo exterior com uma representação cognitiva associada) e também de auto-referência, sendo mesmo que o surgimento da linguagem é muitas vezes associado à emergência de um nível consciência cuja informação necessita de ser partilhada. Daqui partiu-se de certa forma para a exploração de uma consciência distribuída originada nesta necessidade, suportada na linguagem e mapeada nos fenómenos sociais de um caracter cognitivo por vezes bastante elevado. Apenas a existência de um mecanismo simbólico de alto nível emergente da consciência individual permite a veiculação de informação com uma representação cognitiva elevada e que por exemplo é veiculada em processos de ensino. Contudo os processos de aprendizagem não passam todos pela veículação de informação simbólica e são em muito suportados pela faceta sub-simbólica da mente humana. A nossa capacidade de aprendizagem por imitação mostra-se muitas vezes extraordinária. Sem a necessidade de uma interpretação cognitiva dos processos envolvidos no objecto de aprendizagem é-nos possível adquirir capacidades para executar tarefas complexas e só mais tarde entrar nos detalhes cognitivos das mesmas (podendo até efectuar uma adaptação do que foi aprendido ou retirar informação de mais alto nível mais difícil de se esquecer). Julgo que muita desta capacidade adere num suporte sub-simbólico comuns entre seres humanos, tal como a Gramática Universal como suporte genético da linguagem ajuda à aprendizagem da mesma outros mecanismos agem como suporte genético comum de forma a facilitar a aprendizagem por imitação.
Esta capacidade de aprendizagem por imitação é pouco frequente no reino animal apesar de estar mais associada com os mecanismos sub-simbólico da mente humana. É assim como que uma confirmação de que o que nos destingue dos outros animais não reside nas capacidades dos mecanismos simbólicos mas em toda uma extensão das capacidades, incluindo as sub-simbólicas.
Ainda no tópico da consciência distribuída num meio memético falou-se nos estudos psicoanalíticos Youngianos que se debruçaram sobre um inconsciente colectivo povoado por mitos. Pareceu-me assim apontar-se para uma abordagem do colectivo humano como uma só entidade em paralelo com a mente de um só indivíduo. Destacando assim um paralelo da necessidade evolutiva em criar na mente humana um fluxo de execução sequencial capaz de coordenar os vários módulos de processamento de informação e juntar num contexto cognitivo mais amplo e complexo com as várias instâncias de hierarquização social baseada em vários critérios (que em muitas das outras espécies animais são orientadas por uma via sexual: o macho dominante, etc.), mas que no geral pretendem coordenar um fluxo de execução social paralelo.
A condução do debate levou então a uma exposição das ideias mais significativas presentes em [DONALD] que eu exploro um pouco mais aprofundadamente na parte II.
Dessa exposição focamo-nos em ideias como a necessidade de projecção de conteúdo cognitivo presente numa consciência noutra, e daí o surgimento da comunicação, e das limitações aderentes a qualquer tipo de projecção (através de transmissão de informação), que no extremo serão limitadas pela subjectividade da experiência consciente (usualmente referenciada como qualia). Também nos centramos sobre a unicidade da mente humana que comporta a elasticidade de aptidões ao extremo de poder conjugar um conjunto de componentes da consciência naquilo que é chamado de skill mixing e de onde se permite originar inovação através da explosão combinatória de possibilidades que esta mistura trás. Na linguagem muitas destas facetas únicas da consciência humana são visíveis.
Falou-se ainda da memória como suporte essencial para a consciência, tanto a memória de curto prazo como a de médio e longo prazo, e mesmo a capacidade de troca de contexto e regresso a um contexto anterior sem ter que recorrer aos mecanismos típicos da memória de longo prazo. Donald Merlin explora a questão do endereçamento da memória mas no debate o foco foi sobre a redundância que esta demonstra, e talvez assim vários caminhos para activar a mesma memória. Por outro lado existiu alguma preocupação em focar alguma que é a problemática de localização das capacidades de memória e que tem apontado para um estudo mais profundo da constituição dos neurónios e células da glia, procurando associar a função de memória a estruturas presentes nos neurónios individuais (como os micro-tubulos) em vez de somente na rede neuronal em operação. Contudo falou-se de loops activos de memória, mas julgo que no contexto da teoria de consciência como um foco funcional no cérebro móvel e que assim permitia acesso a diferentes componentes em instantes diferentes, e que na memória representar-se-ia pelo facto de à consciência estarem apenas disponíveis as recordações associadas com a zona onde este fluxo se encontra num dado momento (de notar a fonte de não determinismo aqui presente).
Já na 5ª aula falou-se de uma influência do factor geográfico sobre a consciência. Esta ideia estará certamente ligada com a ideia de que a consciência é em muito um produto da memética. Recordo-me de ouvir falar de povos que criam que a sua consciência se localizava fisicamente não dentro do cérebro mas na zona abdominal, contudo julgo que esta corrente se referia ao povo dos Andes que mascava com frequência a folha de coca e daí usufruiria de efeitos alucinogénicos. Contudo a exploração do plano memético da consciência não deverá ser posta de parte e, tal como existem crenças de que a linguagem é em si todo um produto da memética, também a consciência o poderia ser, até como produto (ou catalisador) do simbolismo, nomeadamente de auto-referência, presente na linguagem. Ainda em relação com a linguagem é de notar a serialização típica do mecanismo e o papel de serialização atribuído à consciência. Contudo o paralelismo está presente mesmo na consciência (permitindo a execução simultânea de tarefas) e na linguagem onde existe elaboração suficiente para desenvolver conversas com algum grau de paralelismo, contudo limitado.
Apontando para a teoria dos jogos e da informação falou-se ainda de requisite vareity na perspectiva evolutiva tanto a nível das espécies como mesmo da memética. É interessante notar que a linguagem é uma ferramenta que permite a produções muito diversificadas, tal como a lógica, apresentando-se como um conjunto de ferramentas genéricas e extensíveis, capazes de suportar a requisite variety da memética.
Uma consciência capaz de efecutar manipulação da simbolos e de associação de ideias é capaz de produzir conhecimento por si. Na sua ausência desta capacidade só através da aprendizagem por falha poderia ser possível atingir esse conhecimento e estar-se-ia ainda que mais limitado pelas fontes de experimentação, limitando por completo a existência da abstracção necessária ao suporte civilizacional. Sendo assim: it seems failure is not allways the best way to learn (fazendo referência a uma citação que fiz na primeira aula). Contudo a aprendizagem por falha demonstra-se um mecanismo mais capaz de marcar fortemente o mecanismo emocional da mente. Evolutivamente este facto deve ser derivado da traição de outros indivíduos através da transmissão de factos errados - o que acontece por exemplo nos símios - e erros de inferência que podem conduzir a situações imprevistas, enquanto que algo que é marcado por uma aprendizagem por falha lida directamente com a realidade, sendo só por si um mecanismo muito limitativo e catalisador do medo.
Sem a complexidade de mecanismos de aprendizagem distintos, mantendo-se em nós os mais antigos sem perderem a sua importância, o ser humano não seria capaz de efectuar as miríade de tarefas crescentemente complexas (e a mecanização a elas adjacente que torna a sua repetição simples ou a aprendizagem por imitação que torna a utilização possível sem um domínio do detalhe). Julgo mesmo que é através dos mecanismos algo mais primitivos, sem os quais a mente humana seria demasiado lenta e frágil, que se suportam os mecanismos de aprendizagem mais recentes (existindo um feedback entre os mesmos, como por exemplo na mecanização de uma tarefa através da sua compreensão em misto com um processo de imitação) e que nos transportaram para um plano cognitivo muito mais denso, complexo e abstracto.
II - Desenvolvimento
Em termos de bibliografia julgo que assimilei as ideias chave que agora pautam o meu raciocínio no final do capítulo "Thinking Machines" [PINKER] em que a consciência é alvo de uma dissecação funcional que em muito mudou a minha forma de abordar o assunto e consequentemente mesmo a realidade social (I'm resorting to sorts of bottom-up aproaches more often in those matters).
A separação que Pinker faz para a consciência dispõe-se em três elementos. O conhecimento do próprio que está aderente a um modelo cognitivo da realidade onde se insere informação sobre o próprio indivíduo. O acesso à informação que é fruto da modularidade do cérebro onde a consciência se encontra num plano onde nem toda a informação do sistema nervoso está disponível, aliás o meio da consciência é relativamente diminuto (necessitando de utilizar a memória para completar uma espécie de buffer temporário que utiliza) e contem elementos principalmente de caracter simbólico associados a conteúdos mais detalhados dos níveis não conscientes inferiores (contudo este nível de percepção consciente é suficientemente detalhado para não nos levar a ter uma experiência demasiado abstracta da realidade). Existem contudo mecanismos de feedback em ambos os sentidos que permitem tanto processos como a aprendizagem de tarefas que inicialmente envolvem um processo consciente e são um foco de atenção para mais tarde se automatizarem passando para um plano inconsciente, como permitem a consciencialização de detalhes adjacentes ao mecanismo da visão ou notar detalhes sonoros no discurso de uma pessoa, ou mesmo até sentir a batida do coração. E a misteriosa sentience que se refere à experiência subjectiva, ao qualia no sentido da primeira pessoa, o "eu", e onde grande parte das dúvida persistem. Sendo que alguns lançam a teoria de que este terceiro elemento é apenas um sub-produto das necessidades evolutivas dos outros dois.
Merlin Donald [DONALD] adopta uma abordagem de certa forma mais clássica (digamos contida) e que se opõe a alguns dos pontos de outras teses como as que suportam a modularidade cerebral e o suporte genético resultante do processo evolutivo no que toca funções especificamente humanas como a fala. Curiosamente o caminho seguido na sua exploração está muito longe de ser pautado por alguma da obscuridade, muito pelo contrário, e não aponta simplesmente para a mente como um instrumento generalista moldado pela memética. Isto se bem que esteja mais próximo dessa visão do que daquela que a psicologia evolucionária transmite em relação ao conjunto de mecanismos oriundos da pressão evolucionária e em cujos sub-produtos estão suportados os pontos de ligação com a memética (indicando que a memética influi mais sobre mecanismos de mais alto nível do que aqueles como a linguagem que apenas sofrem a motivação memética para se revelarem, e não desenvolverem).
A exploração dos níveis de consciência entre as varias espécies animais e a sua correlação evolucionária é feita de uma forma muito envolvente. Trouxe de novo a ideia de que o ser humano não tem nenhum módulo cerebral adicional em relação aos seus antepassados e apenas é dotado de módulos cerebrais do dito 3º nível com maiores tamanhos.
A ideia de que a linguagem é apenas uma invenção humana, suportada por uma maior capacidade computacional nos níveis superiores de consciência (os quais se reflectem no próprio uso que fazemos da linguagem, por exemplo já na criança que demonstra as suas necessidades ou intencionalidade através de gestos), vai em muito contra as ideias de Steven Pinker de um suporte genético da linguagem que a torna algo exclusivamente humano e presente como uma capacidade inerente a todos os indivíduos naturalmente e cuja aprendizagem está em si presa ao suporte genético da linguagem.
Merlin apresenta os casos de que indivíduos nascidos em isolamento não demonstram qualquer capacidade para a fala e admite ainda que nesses indivíduos não exista uma representação mental simbólica elaborada (o "mentalês" mencionado por Steven Pinker).
Contudo penso que não se opõe por completo e não é inconsistente com a teoria de uma gramática universal que penso que foi inicialmente desenvolvida por Noam Chomsky. Sendo que o suporte computacional para os mecanismos que Merlin Donald considera simbólicos (defendendo também ele uma dualidade do sub-simbólico e simbólico na mente humana) será uma constante no genoma humano é natural que a convergência para mecanismos simbólicos externos tenha passos comuns em caminhos seguidos separadamente na história da humanidade.
Sendo assim a visão que se me depara face às ideias de Merlin Donald é a da mente humana não como um mecanismo de computação genérico moldado pelos memes, mas um mecanismo de computação simbólico, muito especifico e emergente (e sobretudo interactuante) do o nível sub-simbólico, e cujos produtos são naturalmente pautados por seguirem uma certa linha que os dota do determinismo necessário para a produção por sociedades independentes de mecanismos meméticos semelhantes (a linguagem e a religião entre outros).
Merlin apresenta também a teoria da consciência como um fluxo por contextos simbólicos associados a zonas cerebrais distintas, sendo esta suportada nomeadamente pela observação em doentes epilépticos que não têm ataques mas ao invés sofrem de períodos de inactividade consciente. Fiquei sem ter a certeza que era algo como António Damásio descreve e sobre o qual falo mais abaixo ou se mesmo uma perda de todo o tipo de actividade sem que mecanismos cognitivos inconscientes substituam o papel central da consciência durante estas falhas. Esta teoria é seguida de outra que veicula a ideia de um controlo electro-químico da permeabilidade à informação decrescente e controlável até às camadas cognitiva e evolutivamente mais elevadas do cérebro. Esta ideia é também resultante de experimentação e não se demostra inconsistente com a teoria de um fluxo consciente. Sendo que a consciência não é um mecanismo cognitivo permanente e nos vemos desprovidos dela em situações de sono, lesões cerebrais graves, etc. é natural que necessite de existir um mecanismo através do qual o cérebro impede a informação sensorial (processada nos níveis cognitivos inferiores) de atingir as zonas onde o fluxo de consciência iria receber essa informação. Julgo que esse processo de controlo deverá estar associado com as camadas que efectuam o processamento da informação sensorial de uma forma não consciente que podem por vezes alterar o permeabilidade desta para as camadas superiores por exemplo em situações de perigo apercebidas através deste processamento sensorial constante, existindo naturalmente também uma forte ligação com os mecanismos que implementam o metabolismo.
Como que a somar pontos para a questão da necessidade de uma forte multidisciplinarieade no assunto está a observação sobre os tipos de endereçamento que permitiram o funcionamento da memória e, apesar da comparação do autor com alguns dos sistemas mais simplistas destes processos, fica um vazio tecnológico de processos mais elaborados por explorar, que, julgo advir de um não domínio do campo da informática pelo autor. Contudo a forma como a exploração do assunto segue não deixa de ser interessante, apesar de não me ter satisfeito completamente e ter que recorrer a alguma simplificação sobre a questão da memória recordando-me das conclusões com que fiquei ao redigir o sumário da Aula 3 (a relação com a emoção como heurística no endereçamento da memória).
Contudo julgo que fica sem explorar um fio filosófico, nomeadamente a questão da subjectividade da experiência, e é desta falha que julgo saírem as conclusões, de certa forma decepcionantes, do Capítulo 5. Penso que de um esforço colectivo para, face à maior abrangência de factos possível, colocar este tipo de questões e procurar realmente respostas, é muito provável que se desenvolva (e terá vindo a desenvolver) um trabalho mais produtivo sobre a consciência em toda uma multidisciplinarieadade.
Foi assim que me debrucei também sobre [DAMASIO]. Inicialmente pareceu-me estar a observar uma redescoberta, muito bem desenhada e confirmada por situações com pacientes, da dissecação que tinha já lido em [PINKER].
Um paciente de Damásio (epiléptico) perdeu durante alguns momentos um nível superior de consciência (extended consciousness), perdendo a sua expressão facial (entre outras manifestações usuais de traços de personalidade, estados emotivos e emoções), os desejos, sentience (não encontrei tradução para este termo mas está generalizado na bibliografia sobre o tema portanto deverá existir uma tradução adequada), mas mantendo capacidade de agir no meio que o rodeava (por exemplo dirigiu-se para a porta, tendo contudo antes agido sobre objectos que não existiam sobre a mesa) e de se movimentar (nível de consciência mais abaixo - core consciousness). Transportam-se assim as emoções para um plano de consciência superior ao da acção, junto com o planeamento, a capacidade de utilizar informação do passado, e o estado emocional (mood, aqui em oposição às emoções momentâneas associadas à reacção), alterando também o foco de atenção sobre o presente (parte da selecção para processamento de entre a informação disponível num dado cenário - uma espécie de pré-processamento).
Julgava que esta capacidade de selecção de informação e pré-processamento era toda efectuada em camadas mais baixas, por exemplo como as que no processo da visão distinguem as fronteiras de um objecto de uma forma inconsciente (ver desenvolvimento na Aula 3). Contudo segundo Damásio parte deste pré-processamento (parece-me que o da visão não, estando de facto num nível mais baixo, e sendo assim Damásio estará a falar do foco de atenção associado a apenas um fluxo de execução que evita conflitos entre módulos cerebrais - a consciência) estará associado ao consciente. Contudo o seu paciente foi capaz de acção coordenada, conseguindo andar (os mecanismos mentais destes processos são modularmente independentes da consciência), contudo sem existir uma lógica aderente ao seu comportamento (a consciência evita conflitos respeitantes a um nível de abstracção complexo que manipula e se relaciona com níveis inferiores cujos conflitos são geralmente resolvidos em módulos autonómicos - por exemplo: qual o pé a avançar primeiro num passo).
Damásio dispõe a sua extended consciousness como uma camada sobre a qual se estruturam outras mais complexas (a modularidade da mente, com módulos que sobrepõem à consciência, ou noutro modelo processam informação da consciência), entre as quais está a inteligência, que me parece portanto considerada como algo que manipula um nível de abstracção superior (no sentido de simbologia representativa de complexidade informacional) ao da consciência.
Esta questão é fulcral para o tema que pautou a aula em foco, segundo esta visão a consciência não estaria meramente envolvida na camada superior de actividades como a tomada de decisão, com o intuito de resolver inconsistências, mas estaria apenas no caminho de um processo de complexidade crescente.
Outro ponto que toma vida na exploração de Damásio é algum do drama subjacente à consciência (penso que para aqui se nota logo no início do livro a sensibilidade do autor presente na observação cuidada do idoso que se dirige para um ferry em Estocolmo). A consciência, como sub-produto evolucionário, capaz de levar a estados de depressão (ou será esta apenas uma disfunção química do cérebro? julgo que não), em que existe uma disfunção das capacidades humanas para atingir objectivos e como que um loop de feedback negativo, ou ao suicídio (explicando de certa forma a motivação, de certa forma anti-evolucionária, com um sub-produto de um mecanismo gerado pela própria evolução). É esta a forma como a consciencialização da condição humana, das inevitabilidades da realidade e da incapacidade de atingir objectivos, pode agir contra a finalidade dos produtos da evolução.
Face à mutabilidade do autobiographical self Damásio destrona de certa forma a ideia de que é possível reproduzir uma dada instância de consciência de uma forma artificial, não face à complexidade da influência memética do meio na formação do ser mas pela sua unicidade no tempo e a sua forma como um processo evolutivo em si, cujo destino é traçado tanto do interior (desde os genes ao produto de uma acção de decisão ou planeamento complexa) como pela influência exterior. Contudo não vejo que não seja possível, através de uma influência externa, dar uma continuação a todo o consciente, passando-o de um meio para outro. Vejo face aos dados apresentados por Damásio, a juntar aos factos que desde o início do Semestre me têm flamejado nesta direcção, a adaptabilidade dos vários módulos de consciência para poderem ser reproduzidos artificialmente (uma das suposições apresentadas por Damásio) e ainda mais, mesmo a possibilidade de transferência da uma consciência humana para um suporte diferente sem ter que reproduzir um processo de estímulo exterior ao jeito de historial de forma a parametrizar a nova consciência, efectuando apenas a produção de um meio capaz de simular as funcionalidades do cérebro no que diz respeito à consciência e fazendo uso de um processo de transferência de todo um estado (informação) para o novo suporte (transferência esta que poderia mesmo ser feita transparente de forma a nem sequer alterar o autobiographical self - por exemplo induzindo um estado de indisponibilização de informação à mente consciente durante o processo). Julgo contudo que Damásio apresenta uma orientação oposta.
Bibliografia:
[PINKER]
"How the Mind Works"
Steven Pinker, 1997, W.W. Norton & Company
[DONALD]
"A Mind So Rare"
Merlin Donald, 2001, W.W. Norton & Company
[DAMASIO]
"The Feeling of What Happens: Body and Emotion in the Making of Consciousness"
Antonio, Dr. Damasio, 1999, Harvest Books
[DENNETT]
"Consciousness Explained"
Daniel Clement Dennett, 1992, Little Brown & Co
[DENNETT ON DAMASIO]
REVIEW OF ANTONIO R. DAMASIO, Descartes' Error: Emotion, Reason, and the Human Brain, 1994
in the Times Literary Supplement, August 25, 1995, pp. 3-4.
Daniel C. Dennett
Could be found online at on May 2002: http://ase.tufts.edu/cogstud/papers/damasio.htm
[DENNETT INTERVIEW]
THE COMPUTATIONAL PERSPECTIVE: A TALK WITH DANIEL C. DENNETT
http://www.edge.org/3rd_culture/dennett2/dennett2_index.html
Subscribe to:
Posts (Atom)