Sunday, May 03, 2009



Mais ou menos entre o 25 de Abril e o dia da Mãe decorreu em Lisboa uma glamourosa edição do Festival de Cinema Indie Lisboa. Em jeito de rescaldo decidi revisitar aqui as particularidades das várias sessões a que pude assistir.

Day #1 - 25/4/2009

Águas Mil

Um filme português que parecia promissor, mas que para mim se perdeu em mais um cliché de uma busca pelo passado e numa incursão ao país dos nossos vizinhos. Neste último aspecto recordou-me o argumento, um pouco mais interessante do Goodnight Irene.




Day #2 - 26/4/2009

Aguas Verdes

Um filme verdadeiro e autêntico. Um filme sobre como as fronteiras do tolerável à marem das relações durante as férias de verão muda um pouco. Um filme em que personificamos um pai de família, pouco controlador, pouco confiante, e por isso mesmo seguidor da rotina e normalidade. Um pai pouco atraente e sem grandes maneiras que tem de se confrontar com um rapaz perfeito que parece gostar da filha e de quem todos gostam. Um pai que, tal como nós, não tem a chave para a compreensão de tudo o que acontece entre a praia e a casa de hotel onde alojou a família. Sentimo-nos baralhados e impotentes, será que antes nos deviamos sentir bem como todos os outros? Ou então despejar a frustração sobre algumas oportunidades lascivas que nos surgem? Não, pelo menos para este pai, ele tem outro escape...




Day #3 - 27/4/2009

Jalainur

Um documento sobre uma China profunda, contemporânea, atrasada e cheia de carvão. Contém as melhores imagens de comboios a vapor que alguma vez vi, é com esta perspectiva que a vida de dois maquinistas é explorada. Um deles parte para o fim da sua vida (para a reforma) e o outro acabado de chegar. No seu caminho até casa o mais velho é permanentemente acompanhado pelo mais novo que parece querer algo do velho, mas afinal, ao chegar ao seu destino e o deixar entregue aos seus parentes, mostra que apenas queria deixar o velho em segurança. Com alguns momentos especiais também longe dos coimboios, tais como um espectáculo de música de rua dos dois personagens principais ou um jogo de basquet no meio do deserto, é um filme artístico que trata um tema mais natural para um documentário.




Day #4 - 28/4/2009

Pássaros

Gostei muito do traço dos desenhos e da animação. A estória não me surprendeu nem agradou particularmente. Porque é que existe uma obcessão da animação com os pássaros ("A velha e os pombos", filme Belga ou Françês; uma outra curta nacional, num estilo semelhante - traço P&B - mas mais esboçado e em movimento - "A menina com coração de pássaro")?

Nous

De uma forma muito simples, mas genial, as imagens e o som deste filme usam o tempo para se ligar numa só história. Surpreendente.


Um melting pot social dentro de um só edifício. Testemunhos dos habitantes guiam-nos por estas torres de babel em Hong Kong.

The Dirty Ones

Duas raparigas de traje, um motel e uma história por contar.

...Todas las Estrellas

Ao início pareceu-me promissor mas mostrou-se péssimo. Uma história absurda sobre rapazes que viviam para saltar e morrer. Gostava de ver o tema explorado com maior maturidade.


Day #5 - 29/4/2009

Winterstilte

Imaginava-o passado na Noruega, mas afinal o silêncio é dos Alpes e a vida de uma aldeia real. Um bom filme experimental, compreendido após explicação da autora. Gostei da forma como me lembrou do fabuloso Heima dos Sigur Rós, mas numa versão dark, e em como criou cenas relacionadas com a tradição, como representação do passar do tempo, perfeitamente dignas de um filme do Igmar Bergman.




Day #6 - 01/4/2009

The Herd

Um rebanho com um elemento muito especial. Simples.


Pouco marcante, banal, não me consigo recordar sequer do que trata mesmo este filme, apenas que existe um casal e o rapaz trabalha num escritório. Ah, sim, ela é escritora e ele não acha que ela não tem grande qualidade, no entanto todos a lêm no jornal e sabem por essa forma o desejo que ela tem em abandonar o marido e fugir de casa para um país distante.

Nezrimoe

Uma exploração curiosa sobre a conferência dos G8 em São Petersburgo. Espantosamente conseguiram capturar imagens do aparato de segurança, dos back-stages dos mais importantes líderes mundiais e até de momentos privados entre o George Bush e o Putin. Estas imagens foram coreografadas com outras dos exteriores, de protestos e de forma muito suigéneris até do que se ia passando num cemitério contíguo com o espaço da conferência e que foi fechado por questões de segurança do evento. É precisamente neste cemitério que existem as lápides com impressões a preto e branco das pessoas que ali foram sepultadas e que foram depois utilizadas como tema de dissertação no início e fim desta curta. Através da oclusão de partes das suas faces e das faces noutras imagens é dado o mote para o filme, que em inglês se chama "The Unseen".

Crime / Abismo Azul / Remorso Físico

Um filme inspirado no esplêndido Amadeu de Souza-Cardoso. Infelizmente perdi completamente a sequência desta curta por causa dos problemas de projecção, gostava de a ver de novo e admito que a pontuação fosse outra, foi pena esta situação...

Passeio de Domingo

Genial!! Um passeio português, uma sátira, uma realidade alternativa com arestas bem marcadas e em que a altura é tudo, ou quase tudo. Adorei algumas das muitas metáforas do filme: o facto de toda a gente procurar carros mais e mais altos para conduzir acima dos outros, a maneira como em fim-de-semana todos correm para apanhar um pequeno espaço à beira mar/rio e depois passam um dia de implicanço estúpido em torno das escolhas e da autoridade familiar. Já andava para ver esta curta deste o Monstra deste ano.


Hot Dog

Um filme do já famoso Bill Plympton com o seu humor muito particular e fácil de assimilar.


Sphinx on the Seine

Um filme experimental que teve a capacidade de me embrenhar por completo. Fez-me sentir as cores e padrões filmados, fez-me sentir em movimento enquanto seguia linhas e fios eléctricos, fez-me bem.


Day #7 - 2/5/2009

Help Gone Mad

Um filme sobre ajudas e desajudas. Duas personagens masculinas de idades diferentes que se juntam. Será o velho uma pessoa com ideias diferentes ou simplesmente um louco? Num momento especial do filme agradou-me bastante quando o velho resolve um jogo de 4 imagens em que se escolhe aquela que não liga com as outras sempre de formas sempre diferentes do normal e com uma fundamentação especialmente curiosa. Ele é um homem com loucura da boa, enquanto outros personagens reais e irreais (um inspector de polícia atormentado) representam a loucura má. Também uma representação interessante da Rússia contemporânea.

Numa curiosidade particular sobre esta sessão em que a conversa com o realizador estava a ser traduzida do inglês/português para o russo apercebi-me do fenómeno de "Lost in translation". Tinha perguntado ao realizador se a personagem do inspector era real e porque tinham acontecido uma série de eventos em que ela era como se não existisse. A resposta que me foi dada pelo tradutor era que essa personagem estava ali para contrastar com a loucura do velho que era boa. O inspector com a sua loucura má era 1 polo oposto que vinha assim ter que se confrontar com o velho. De facto isso aconteceu. Passado um pouco, uma senhora muito simpática que estava perto de mim e que sabia Russo, veio-me dizer que ele não tinha traduzido bem, que eles eram como que dois pólos cósmicos que se tinham de destruir, mas que no entanto o inspector era totalmente irreal, não existia senão na mente do velho, daí os polos da loucura existirem apenas na sua mente. Um filme curioso sem dúvida.




Day #8 - 3/5/2009



Foram precisas várias deambulações Lisboa fora para me conseguir distanciar um pouco do cenário que o genial "Encounters at the End of the World" me levou a habitar durante hora e meia de excelência artística e documental. Pelo que tinha visto em trailers esperava um bom filme, com bons momentos artísticos e a apresentar uma situação extrema capaz de gerar interesse por ser remota e diferente. Mas nada me levava a desconfiar que iria estar perante uma fantástica obra de arte.

Atraído ao continente pelas imagens capturadas por um amigo seu, músico e mergulhador, Herzog decide partir para conhecer e partilhar um dos últimos redutos da natureza. Tem o apoio institucional dos EUA apesar de lhes ter garantido que não ia fazer mais um filme sobre pinguins nem nada do género. Muito pelo contrário Herzog propõe-se desde logo a pensar de forma original e tentar perceber o âmago dos problemas, dando o exemplo do porquê espécies inferiores como as formigas exploram piolhos como nós humanos exploramos outros animais em quintas, mas outros mamíferos superiores, os chimpanzés não o fazem.

Através de várias visitas a centros de pesquisa e exploração espalhados pelo continente fora somos deparados com cenários artísticos, científicos, humanos e filosóficos extremos.

Uma dos ideias que mais me marcou foi a assumpção de que somos apenas mais uma espécie dominante neste planeta, precedida por muitas outras, feita de forma muito sóbria e consciente. Foi também uma referência a uma corrente científica que tem vindo a ganhar força e que defende que o ecosistema irá acabar com o domínio da espécie humana. Ultimamente tenho vindo a pensar dessa forma, de uma maneira algo derrotista, a par de uma sensação cada vez mais forte de que o final da existência de cada um de nós não é algo assim tão importante e particularmente negativo, tendo por exemplo em conta as atrocidades ambientes por que somos todos responsáveis directa e indirectamente.

Outra ideia fantástica, transposta neste filme por uma das inesperadas pessoas "encontradas" no fim do mundo, um filósofo que agora na Antártida conduz uma retro-escavadora, é a de que através do ser humano o universo está-se a auto-admirar e a ficar maravilhado com a sua própria beleza, nós somos apenas o meio para essa consciência que o Universo começa a ter de si. Ele apresenta esta ideia pelas palavras do filósofo britânico Allan Watts.

Entretanto só agora reparei como o título do filme representa uma dualidade: os encontros com pessoas que estão na Antárctida, mas também os encontros com pessoas que podem estar entre as últimas da nossa espécie a pisar este planeta.

Este é um verdadeiro documentário thinking and seeing outside the box. Sem margem de dúvidas o melhor filme que vi no Indie. Preciso de rever!! Vejam vocês também!